segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Da primeira publicação a gente não esquece

Este texto foi o primeiro que publiquei no Ler é Saber. Foi inspirado no meu querido sobrinho emprestado George, que foi uma criança incrivelmente querida e hj é um adulto incrivelmente fantástico.
Hj, com a Oficina do Assis Brasil, escreveria este texto de uma forma bem diferente. Como há uma memória afetiva atrelada a ele, prefiro não mexer em uma vírgula.
Lá vai:

O menino que não sabia seu nome

O início da confusão

Era um guri que não sabia o seu nome. Ele era daqueles meninos cheios de qualidades. Daqueles que aprontam e os adultos nem conseguem ficar brabos, de tão, tão encantador que era (dizem que continua assim até hoje)... Pois bem, os adultos – sempre eles! – fizeram uma baita confusão na cabecinha do nosso amiguinho. Querem ver?
Seu avô - o mais querido deles, aquele que tinha bolsos mágicos, sempre cheios de balas - quando o via, ia logo dizendo:
- Como vai o meu Indiozinho?
De fato, o guri parecia um indiozinho, com seu cabelo preto, escorrido, quase entrando nos olhos. Ele, muito imaginativo, já saía correndo e dando pinotes, com seu arco-e-flecha imaginário, defendendo-se de onças e – pasmem – de dinossauros! É, nosso amiguinho gostava de misturar as coisas.
Os seus pais ele desistiu de entender desde que estava na barriga da sua mãe.Quando nasceu, cada um chamava de uma coisa diferente: “meu bebê”, “meu gurizão”, “lindinho da titia”, “coisa querida do titio”... Depois, se fazia algo legal, divertido, mas que os pais não gostavam, seu nome era “Peste”, “Capeta”, “Danadinho”. Quando cantava direitinho para as visitas as musiquinhas que a mãe lhe ensinava, seu nome mudava para “Geniozinho”, “Querido”, “Fofinho”. Vá entender esses adultos....

O nome de que mais gostava

Um dos nomes do qual ele mais gostava era o que a avó alemã da namorada do tio lhe deu, que era Rétsie... Vejam só o que ele pensava disso:
“Aquela vovozinha é muito tri” – pensava ele. “Ela sempre faz aquele bolo gostoso que os grandes teimam em chamar de cuca. Credo, Cuca é a bruxa do Sítio, não essa coisa boa, com cobertura gostosa. Bolo é bolo, Cuca é bruxa. Quando a minha futura tia me leva embora, a vovozinha coloca um chocolate no meu bolso escondida, que é para os outros grandões não me xingarem, pois como muito doce. Daí ela pisca o olho pra mim, me dá um beijo e diz ‘Tchau, Rétsie, volta logo’. Legal, adoro ser o Rétsie. O meu tio disse que Rétsie não é nome, que significa coraçãozinho em português. Deve ser outra das pegadinhas que ele me apronta.”

Na escolinha de natação

Um dia, a mãe do nosso confuso amiguinho o matriculou na escolinha de natação. Ora, ele já estava com quase cinco anos, quase entrando na escolinha, já era bem grande, tinha que saber nadar. Ele ficou muito ansioso para ir, pois adorava água, mas achava que já sabia nadar, pois era o Indiozinho Peste Geniozinho Fofinho Rétsie e índios sabem nadar desde que nascem.
A mãe o levou de carro até a escolinha. Chegando lá, ela disse:
- Vai lá e arrasa, Netuno!
“Netuno, agora meu nome é Netuno. Mais um! Netuno Indiozinho Peste Geniozinho Fofinho Rétsie ... Vou demorar mais do que as outras crianças para aprender a escrever meu nome, é muito comprido...Pelo menos assim vão achar que eu sou burro e vão tirar o Geniozinho dessa lista ... Que bom, menos um.” – pensou ele.
Antes de cair na piscina, porém, precisou fazer um tal de “exame médico”. A mãe, como sempre distraída, conversando com a mãe de um outro menino, deixou que ele entrasse sozinho na salinha do médico, que lhe pareceu bem velhinho e brabo. O doutor, todo apressado, logo foi perguntando:
- Qual é o seu nome?
- Netuno.
O médico engoliu em seco a risada. “Esses pais de hoje, cada nome que colocam nos filhos” – pensou ele, abanando a cabeça. Após, chamou a secretária pelo interfone:
- Dona Rosa, a senhora não me mandou nenhuma ficha com o nome de Netuno.
O menininho interveio:
- Então procura Indiozinho, tio.
- O quê?
- É, Indiozinho. Ou Peste. Ou Geniozinho. Também tem Fofinho. Ou o mais legal de todos, Rétsie.
- Não estou entendendo o que está acontecendo aqui.
Nesse instante, chegou a secretária e disse:
- Não tem nenhum Netuno, não, doutor. Hoje só virão o Lucas, o Diego, a Luana, o Caio, a Débora e o George, que é esse daí.
- Entendo. Cadê a mãe desse guri? Mocinho, acho que o senhor mentiu pra mim. Que feio ... Teu nome então é George, não é?
- Não é não. Nunca ouvi esse nome. Hoje mesmo minha mãe me chamou de Netuno. E antes eu me chamava só...
- Tá, tá, sei, aquele monte de nomes ... Temos uma grande confusão aqui. Dona Rosa, chama a mãe dele, por favor.
A mãe, o médico e a secretária tentaram explicar que aqueles nomes todos não eram nomes de verdade. Eram apelidos carinhosos. “Falaram tanto, tanto, tanto... Tive que concordar. George, como um tal de George Washington, presidente dos Estados Unidos, que eu não faço a mínima idéia do que isso signifique. Ou como um tal George Orwell, um escritor, um cara que tinha muitas idéias. Ah, disso eu gostei. Idéias não me faltam ...”, pensou o nosso quase conformado amiguinho.

Meses depois ...
Na praia, George conheceu uma nova amiguinha. Tão lindinha, tão esperta, fazia os castelos de areia mais bonitos do mundo... Então ele perguntou o nome dela. Ela respondeu:
- Meu nome é Kitiele, mas pode me chamar de Kiti.
Ele, sem pestanejar disparou:
- Meu nome é George, mas tu podes me chamar de Namorado.

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