Reli "Água Viva" no sábado, noite adentro. Deu-me imensa vontade de copiar aqui o trecho que vai abaixo. Eu me leio nas páginas da Clarice (assim, "da", com artigo definido, como se fôssemos íntimas)...
Eis a Clarice Lispector que me lê, em "Água Viva" (p. 82, 83):
"Como te explicar? Vou tentar. É que estou percebendo uma realidade enviesada. Vista por um corte oblíquo.[...] Agora adivinho que a vida é outra. Que viver não é só desenrolar sentimentos grossos - é algo mais sortilégico e mais grácil, sem por isso perder o seu fino vigor animal. Sobre essa vida insolitamente enviesada tenho posto minha pata que pesa, fazendo assim com que a existência feneça no que tem de oblíquo e fortuito e no entanto ao mesmo tempo sutilmente fatal. Compreendi a fatalidade do acaso e não existe nisso contradição.
A vida oblíqua é muito íntima. Não digo mais sobre essa intimidade para não ferir o pensar-sentir com palavras secas. Para deixar esse oblíquo na sua independência desenvolta.
E conheço também um modo de vida que é suave orgulho, graça de movimentos, frustração leve e contínua, de uma habilidade de esquivança que vem de um longo caminho antigo. Como sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excêntrica. Tem um lado da vida que é como no inverno tomar café num terraço dentro da friagem e aconchegada na lã.
Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vendo e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante, levitação e sonhos no dia aberto: vivo a riqueza da terra.
Sim. A vida é muito oriental. Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida. É como saber arrumar flores num jarro: uma sabedoria quase inútil. Essa liberdade fugitiva da vida não deve ser jamais esquecida: deve estar presente como um eflúvio.
Viver essa vida é mais um lembrar-se indireto dela do que um viver direto. Parece uma convalescença macia de algo que no entanto poderia ter sido absolutamente terrível. Só para os iniciados a vida então se torna fragilmente verdadeira. E está-se no instante-já: come-se a fruta na sua vigência". (LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Artenova, 1973. p. 82-83)
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Bolhas
Ana está atrasada. O vestido preto não está passado. Vai o lilás. Azar se ficar ridícula. Liga o chuveiro, soca a roupa usada no cesto transbordante. Com uma mão pega o xampu, com a outra o condicionador, com a outra o sabonete, com a outra o esfregão, com a outra fecha o registro, cruza com a outra para devolver o sabonete a seu lugar e...
....ao cruzar os braços, a espuma branca forma uma grande bolha, cujas bordas sustentam-se entre os seios e os braços de Ana. É uma fina, frágil tenda transparente e delicada que se sustenta, tremeluzente, no ar. A surpresa colorida imobiliza Ana. A frágil tela projeta-se, colorida, no banho apressado. Ana prende a respiração. Não quer estragar. Baixa um pouco mais a cabeça. Espia através da bolha. Dali, parecem ridículas as unhas vermelhas dos pés. A bolha faísca cores interessantes, que pintam, divertidas, os muitos fios de cabelos escandalizados sob o tapete de borracha. Ana olha para seu colo, grandes manchas vermelhas. Só agora sente o quanto a água do banho estava queimando. Que sabonete era aquele? Sorve o cheiro infantil: pegou, por engano, o sabonete da filha mais nova. A bolha pulsa num alerta para a iminência de estourar. Ana não quer, não suporta a ideia da perda da leveza furta-cor. Ana lembra do compromisso, do atraso, da pressa. Se fosse mentirosa, diria que a bolha, contornando seus seios, tem formato de coração. Mas quase. Não sabe que forma é aquela. Também não sabe nomear todas as cores que brincam de esconde-esconde na fina superfície que filtra os raios de sol que entram pelo vidro da janela do banheiro. Fica feliz em não saber. Ana surpreende-se com a constatação de que bate sol na janela do banheiro da casa em que mora há dezessete anos. Os braços cansam da estranha posição cruzada. O gosto de bolha tem fundo salgado, repuxa a língua. Ana entende que a bolha não é para sempre. Como fez aquilo, não sabia. A bolha é filha da pressa. Ana é a bolha, Ana faz parte da bolha, a bolha é o centro de Ana. Se ela não estivesse com pressa, seus braços não teriam se cruzado, nem ela usaria o sabonete da filha, tão cheiroso, com tanta espuma, tão generoso...Ana encanta-se com a bolha. Mas não sabe se está triste. Mesmo se ela não tivesse pressa, a bolha deixaria de existir. Mas a bolha está lá, agora. A bolha é o tudo na pungência do nada. A bolha e Ana.
A bolha se vai, de repente, a beleza pelo ralo. A bolha existiu? Nem Ana. A Ana que descruza os braços não é mais a mesma Ana que abriu o chuveiro. E ela sabe disso, sempre sabia, encarregando-se de não saber. Não se seca. Usa seu vestido lilás. Quer andar descalça na grama, mas fica pra depois. Uma coisa a cada vez. A Ana que cruzará a porta também não será a Ana que voltará no fim daquele dia.
....ao cruzar os braços, a espuma branca forma uma grande bolha, cujas bordas sustentam-se entre os seios e os braços de Ana. É uma fina, frágil tenda transparente e delicada que se sustenta, tremeluzente, no ar. A surpresa colorida imobiliza Ana. A frágil tela projeta-se, colorida, no banho apressado. Ana prende a respiração. Não quer estragar. Baixa um pouco mais a cabeça. Espia através da bolha. Dali, parecem ridículas as unhas vermelhas dos pés. A bolha faísca cores interessantes, que pintam, divertidas, os muitos fios de cabelos escandalizados sob o tapete de borracha. Ana olha para seu colo, grandes manchas vermelhas. Só agora sente o quanto a água do banho estava queimando. Que sabonete era aquele? Sorve o cheiro infantil: pegou, por engano, o sabonete da filha mais nova. A bolha pulsa num alerta para a iminência de estourar. Ana não quer, não suporta a ideia da perda da leveza furta-cor. Ana lembra do compromisso, do atraso, da pressa. Se fosse mentirosa, diria que a bolha, contornando seus seios, tem formato de coração. Mas quase. Não sabe que forma é aquela. Também não sabe nomear todas as cores que brincam de esconde-esconde na fina superfície que filtra os raios de sol que entram pelo vidro da janela do banheiro. Fica feliz em não saber. Ana surpreende-se com a constatação de que bate sol na janela do banheiro da casa em que mora há dezessete anos. Os braços cansam da estranha posição cruzada. O gosto de bolha tem fundo salgado, repuxa a língua. Ana entende que a bolha não é para sempre. Como fez aquilo, não sabia. A bolha é filha da pressa. Ana é a bolha, Ana faz parte da bolha, a bolha é o centro de Ana. Se ela não estivesse com pressa, seus braços não teriam se cruzado, nem ela usaria o sabonete da filha, tão cheiroso, com tanta espuma, tão generoso...Ana encanta-se com a bolha. Mas não sabe se está triste. Mesmo se ela não tivesse pressa, a bolha deixaria de existir. Mas a bolha está lá, agora. A bolha é o tudo na pungência do nada. A bolha e Ana.
A bolha se vai, de repente, a beleza pelo ralo. A bolha existiu? Nem Ana. A Ana que descruza os braços não é mais a mesma Ana que abriu o chuveiro. E ela sabe disso, sempre sabia, encarregando-se de não saber. Não se seca. Usa seu vestido lilás. Quer andar descalça na grama, mas fica pra depois. Uma coisa a cada vez. A Ana que cruzará a porta também não será a Ana que voltará no fim daquele dia.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
E quem não subscreveria também esta cartinha?
Nem é preciso ser habitante do Mundo da Fantasia para querer subscrever a cartinha do Pequeno Polegar para a Dona Benta em "O Picapau Amarelo":
"Prezadíssima Senhora Dona Benta Encerrabodes de Oliveira:
Saudações. Tem esta por fim comunicar a Vossa Excelência que nós, os habitantes do Mundo da Fábula, não aguentamos mais as saudades do Sítio do Picapau Amarelo e estamos dispostos a mudar-nos para aí definitivamente. O resto do mundo anda uma coisa das mais sem graça. Aí que é o bom. Em vista disso, mudar-nos-emos todos para sua casa – se a senhora der licença, está claro... "
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Bate-papo com alunos das escolas municipais na Feira do Livro de Campo Bom - 20/10/11
Na quinta-feira passada, tive a felicidade, o privilégio e a honra de conversar com uma gurizada pra lá de inteligente, perspicaz e criativa: turmas de alunos de terceiro, quarto e quinto anos de algumas escolas do município de Campo Bom - minha terrinha.
Pode comprovar, em experiência bem concreta, o quanto o leitor é co-autor de uma obra. Cada detalhe que eles perceberam, cada leitura inusitada, cada pergunta interessante - haja fôlego pra responder. Cheguei a uma conclusão: o autor não sabe nada do livro que escreveu. Quem sabe é Sua Majestade, o leitor!
Essas perguntas todas, para mim, soaram como carinho: o leitor que quer saber, mas no fundo ele já tem a resposta - e muito melhor do que a do autor. Melhor porque é sua. É fruto de sua criação. E fim de papo.
As profes e os seus alunos fizeram um belíssimo trabalho. Parabéns! Além disso, o comportamento foi nota mil!
Emocionei-me em ver representada a minha antiga escola, a EMEF Santos Dumont, onde fui alfabetizada e, coincidentemente (?), comecei a minha vida de professora. E, para acompanhar os alunos, estavam a Profe Simone, (minha colega dos tempos de infância, para quem eu passei a faixa de "Mais bela..." bem, deixa pra lá...) e a Profe Carmen, que é aluna do curso de Letras da Faccat...
Também encontrei minhas colegas do curso de Magistério (e lá se vão 23 anos só de sala de aula!): Viviane Gertz, Carla, Tânia... Estamos quase de "bodas de prata" com a profissão! E a Profe Márcia, minha ex-colega no Santos..
Também gostei de ver a curiosidade nos olhinhos dos alunos da EMEF Marquês do Herval, ao saber que a "escritora" aqui mora na rua da escola deles... :)
Muito obrigada a todos pelo carinho, pela leitura atenta... por tudo!
Amei o desenho que a aluna Naiara Foleto, da EM 25 de julho, fez! Olha ele aí embaixo:
Pode comprovar, em experiência bem concreta, o quanto o leitor é co-autor de uma obra. Cada detalhe que eles perceberam, cada leitura inusitada, cada pergunta interessante - haja fôlego pra responder. Cheguei a uma conclusão: o autor não sabe nada do livro que escreveu. Quem sabe é Sua Majestade, o leitor!
Essas perguntas todas, para mim, soaram como carinho: o leitor que quer saber, mas no fundo ele já tem a resposta - e muito melhor do que a do autor. Melhor porque é sua. É fruto de sua criação. E fim de papo.
As profes e os seus alunos fizeram um belíssimo trabalho. Parabéns! Além disso, o comportamento foi nota mil!
Emocionei-me em ver representada a minha antiga escola, a EMEF Santos Dumont, onde fui alfabetizada e, coincidentemente (?), comecei a minha vida de professora. E, para acompanhar os alunos, estavam a Profe Simone, (minha colega dos tempos de infância, para quem eu passei a faixa de "Mais bela..." bem, deixa pra lá...) e a Profe Carmen, que é aluna do curso de Letras da Faccat...
Também encontrei minhas colegas do curso de Magistério (e lá se vão 23 anos só de sala de aula!): Viviane Gertz, Carla, Tânia... Estamos quase de "bodas de prata" com a profissão! E a Profe Márcia, minha ex-colega no Santos..
Também gostei de ver a curiosidade nos olhinhos dos alunos da EMEF Marquês do Herval, ao saber que a "escritora" aqui mora na rua da escola deles... :)
Muito obrigada a todos pelo carinho, pela leitura atenta... por tudo!
Amei o desenho que a aluna Naiara Foleto, da EM 25 de julho, fez! Olha ele aí embaixo:
Olha a Naiara aí! |
Os alunos da EMEF Santos Dumont, com as Profes Carmen e Simone |
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Recadinho da Dona Benta, em "Viagem ao Céu"
Essa é para quem está super, mega estressado hj - como eu!!!
Fala da personagem Dona Benta, logo na primeira página de "Viagem ao Céu":
"[...] porque a maior parte da vida passamos entretidos em tanta coisa, a fazer isto e aquilo, a pular daqui pra ali, que não temos tempo de gozar o prazer e viver. Vamos vivendo sem prestar atenção na vida e, portanto, sem gozar o prazer de viver à moda dos lagartos. Já repararam como os lagartos ficam horas e horas imóveis ao sol, de olhos fechados, vivendo, gozando o prazer de viver - só, sem mistura?"
Fala da personagem Dona Benta, logo na primeira página de "Viagem ao Céu":
"[...] porque a maior parte da vida passamos entretidos em tanta coisa, a fazer isto e aquilo, a pular daqui pra ali, que não temos tempo de gozar o prazer e viver. Vamos vivendo sem prestar atenção na vida e, portanto, sem gozar o prazer de viver à moda dos lagartos. Já repararam como os lagartos ficam horas e horas imóveis ao sol, de olhos fechados, vivendo, gozando o prazer de viver - só, sem mistura?"
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Aos 62
Aos 62
Ana precisava deter o tempo. Reter e expandi-lo. Não era só ela que pensava assim. As capas de revistas diziam. As figuras nos outdoors. Os olhares inquisidores. Não sabia se era ela que pensava assim ou se pensavam por ela. Tanto faz. Não discutia. Era preciso, simples assim. Mas não era dada aos excessos: a natureza fora-lhe generosa. Ela só se incumbira de esconder os poucos fios de cabelos brancos, quase imperceptíveis em sua loirice natural. Visitou, como de costume, o cabeleireiro. Retoque nas raízes, coisa pouca. Deus, para ela, morava nos detalhes.
Ficou bem, ela achou. Mas não tinha tempo de achar mais. Ela era muitas em uma. Precisava pagar uma conta já em vias de vencer. Teve uma leve raiva da greve dos carteiros. Ela fora funcionária pública durante tantos anos. Na metade do caminho em direção à agência bancária, exasperou-se com a lembrança: os bancários também estavam em greve. Precisava pensar rápido – e pensou. Orgulhou-se da rapidez de seus pensamentos: a agência lotérica era ali pertinho.
Uma quadra depois, Ana avistou longa fila. Constatou que era a da lotérica. Não se fez de rogada: os seus 62 anos valeriam, afinal, para algo imediato. Sabia que era bonita – bonita porque mulher. Ergueu a cabeça, equilibrou-se sobre os saltos, retiniu as pulseiras. Passou ao lado da fila, perguntou ao guarda pela fila de idosos. O homem a olhou de cima a baixo, demorado. Braço flácido, estendeu, tímido, o dedo indicador.
Ana encarregou-se de não perceber. Divertiu-se, no fundo. Posicionou-se na fila indicada, muito menor. O rapaz que era o primeiro da fila ao lado comentou algo com a moça do caixa. Ana ouviu um mal-humorado “pergunta pra ela”. Engraçadíssimo. Sentia que todos a olhavam. Parecia jovem, sim, não era isso que queriam? Ouvia fragmentos de conversa. Ela não poderia ter mais de 60 anos. Outra voz fez questão de dizer mais alto que ela só poderia ter problemas mentais. O orgulho inicial deu vez à vergonha. Uma moça magrinha saiu de trás da fila, esbarrou propositalmente em Ana, quase lhe derrubando a bolsa. Foi até a moça do caixa. Denunciou, retumbante: havia pessoas furando a fila. A loirosa ali não tinha idade para a fila dos idosos. A moça do caixa repetiu a resposta: pergunta pra ela.
Pergunta pra ela, pergunta pra ela. A moça magrinha não estava só no coro dos descontentes. Na frente de Ana, só um senhorzinho já sendo atendido. Ana pensava: “Só mais um pouquinho, só mais um pouquinho. É meu direito, pombas!”.
Quando chegou a sua vez no caixa especial, com calma disfarçada, segurando a mão para não tremer, escorou-se no balcão, tirou carteira e contas. A moça da fila ao lado sorriu:
- Mas a senhora não parece mesmo ter sessenta anos.
Foi a gota d’água. Ana sacou a carteira de identidade. Colocou bem junto ao rosto da vizinha de caixa:
- Sabe fazer conta? Dois mil e onze menos um mil, novecentos e quarenta e nove, quanto dá? Hein? Hein? E eu é que sou loira, né?
Olhou pra trás, fuzilando o povo. Alguém gostaria de tentar calcular de cabeça?
A atendente sorriu para ela, solidária na beleza e na cor das madeixas: a senhora é mesmo muito bonita. No que Ana agradeceu, juntando a simpatia possível no momento. A atendente devolveu o troco, cochichando um inaudível “vai firme”.
E Ana foi. Sacudindo os cabelos. Caminhando ligeiro. Pensando rápido. Aos 62 anos de idade.
Ana precisava deter o tempo. Reter e expandi-lo. Não era só ela que pensava assim. As capas de revistas diziam. As figuras nos outdoors. Os olhares inquisidores. Não sabia se era ela que pensava assim ou se pensavam por ela. Tanto faz. Não discutia. Era preciso, simples assim. Mas não era dada aos excessos: a natureza fora-lhe generosa. Ela só se incumbira de esconder os poucos fios de cabelos brancos, quase imperceptíveis em sua loirice natural. Visitou, como de costume, o cabeleireiro. Retoque nas raízes, coisa pouca. Deus, para ela, morava nos detalhes.
Ficou bem, ela achou. Mas não tinha tempo de achar mais. Ela era muitas em uma. Precisava pagar uma conta já em vias de vencer. Teve uma leve raiva da greve dos carteiros. Ela fora funcionária pública durante tantos anos. Na metade do caminho em direção à agência bancária, exasperou-se com a lembrança: os bancários também estavam em greve. Precisava pensar rápido – e pensou. Orgulhou-se da rapidez de seus pensamentos: a agência lotérica era ali pertinho.
Uma quadra depois, Ana avistou longa fila. Constatou que era a da lotérica. Não se fez de rogada: os seus 62 anos valeriam, afinal, para algo imediato. Sabia que era bonita – bonita porque mulher. Ergueu a cabeça, equilibrou-se sobre os saltos, retiniu as pulseiras. Passou ao lado da fila, perguntou ao guarda pela fila de idosos. O homem a olhou de cima a baixo, demorado. Braço flácido, estendeu, tímido, o dedo indicador.
Ana encarregou-se de não perceber. Divertiu-se, no fundo. Posicionou-se na fila indicada, muito menor. O rapaz que era o primeiro da fila ao lado comentou algo com a moça do caixa. Ana ouviu um mal-humorado “pergunta pra ela”. Engraçadíssimo. Sentia que todos a olhavam. Parecia jovem, sim, não era isso que queriam? Ouvia fragmentos de conversa. Ela não poderia ter mais de 60 anos. Outra voz fez questão de dizer mais alto que ela só poderia ter problemas mentais. O orgulho inicial deu vez à vergonha. Uma moça magrinha saiu de trás da fila, esbarrou propositalmente em Ana, quase lhe derrubando a bolsa. Foi até a moça do caixa. Denunciou, retumbante: havia pessoas furando a fila. A loirosa ali não tinha idade para a fila dos idosos. A moça do caixa repetiu a resposta: pergunta pra ela.
Pergunta pra ela, pergunta pra ela. A moça magrinha não estava só no coro dos descontentes. Na frente de Ana, só um senhorzinho já sendo atendido. Ana pensava: “Só mais um pouquinho, só mais um pouquinho. É meu direito, pombas!”.
Quando chegou a sua vez no caixa especial, com calma disfarçada, segurando a mão para não tremer, escorou-se no balcão, tirou carteira e contas. A moça da fila ao lado sorriu:
- Mas a senhora não parece mesmo ter sessenta anos.
Foi a gota d’água. Ana sacou a carteira de identidade. Colocou bem junto ao rosto da vizinha de caixa:
- Sabe fazer conta? Dois mil e onze menos um mil, novecentos e quarenta e nove, quanto dá? Hein? Hein? E eu é que sou loira, né?
Olhou pra trás, fuzilando o povo. Alguém gostaria de tentar calcular de cabeça?
A atendente sorriu para ela, solidária na beleza e na cor das madeixas: a senhora é mesmo muito bonita. No que Ana agradeceu, juntando a simpatia possível no momento. A atendente devolveu o troco, cochichando um inaudível “vai firme”.
E Ana foi. Sacudindo os cabelos. Caminhando ligeiro. Pensando rápido. Aos 62 anos de idade.
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
Além do bem e do mal
Ana não queria fazer tudo aquilo. Era preciso. Desgostava, já era mecânico, brilho fosco. No entanto, brilho. Diziam, pelo menos. Era preciso cumprir as muitas tarefas, todas muito sérias, todas de alta responsabilidade para uma mulher. Entende? Chegara até ali, tanto custo, tanta entrega. Que fizesse jus às concessões. Dela e dos outros.
O peso do necessário esmagava suas vontades. O resto de rebeldia caía-lhe sob as orelhas, no cabelo que não usava lisos, como deveria. Ao resto todo aderiu. Civilizou seus gostos por cores, cheiros, texturas. Fantasiava-se à altura do espetáculo, a mulher do alto cargo. Os calos que doíam não eram os dos pés encolhidos nos sapatos de saltos. Aprendera e desaprendera coisas diversas, todas na ordem do parecer. Porque o ser, antes, lhe transbordava, anacrônico, feliz demais, colorido demais, barulhento demais. Cortou as palavras, as cores. Engolia os amargos por doces; os ácidos por suaves. O delicado não calejava sob o disfarce, saudoso de passear ao sol.
Um dia, era sábado. Os sons e odores da casa vizinha. Nunca mais foi na sua. Abriu a cortina. Teve coragem: escancarou a janela. Os sabiás não cantavam no tom do teclado do computador. O céu azul não combinava com as pastas pretas. O sol quente e o vento fresco não conheciam o significado de ar-condicionado.
Num entanto de rebeldia, desligou o computador. Era a rainha no seu trono de escritório. Foi ao armário velho do fundo da garagem. Desceu caixas e caixas. Pegou agulhas de tricô. Examinou, desentortou seus cetros. Lãs, restos de outras épocas, lembranças felizes de tempos desformatados. Voltou ao escritório doméstico e escondeu-se sob a janela aberta. Ana deu uma laçada. Ainda lembrava tanto... As meias, os casaquinhos... Era tempo de tecer com outras linhas.
O peso do necessário esmagava suas vontades. O resto de rebeldia caía-lhe sob as orelhas, no cabelo que não usava lisos, como deveria. Ao resto todo aderiu. Civilizou seus gostos por cores, cheiros, texturas. Fantasiava-se à altura do espetáculo, a mulher do alto cargo. Os calos que doíam não eram os dos pés encolhidos nos sapatos de saltos. Aprendera e desaprendera coisas diversas, todas na ordem do parecer. Porque o ser, antes, lhe transbordava, anacrônico, feliz demais, colorido demais, barulhento demais. Cortou as palavras, as cores. Engolia os amargos por doces; os ácidos por suaves. O delicado não calejava sob o disfarce, saudoso de passear ao sol.
Um dia, era sábado. Os sons e odores da casa vizinha. Nunca mais foi na sua. Abriu a cortina. Teve coragem: escancarou a janela. Os sabiás não cantavam no tom do teclado do computador. O céu azul não combinava com as pastas pretas. O sol quente e o vento fresco não conheciam o significado de ar-condicionado.
Num entanto de rebeldia, desligou o computador. Era a rainha no seu trono de escritório. Foi ao armário velho do fundo da garagem. Desceu caixas e caixas. Pegou agulhas de tricô. Examinou, desentortou seus cetros. Lãs, restos de outras épocas, lembranças felizes de tempos desformatados. Voltou ao escritório doméstico e escondeu-se sob a janela aberta. Ana deu uma laçada. Ainda lembrava tanto... As meias, os casaquinhos... Era tempo de tecer com outras linhas.
terça-feira, 13 de setembro de 2011
Humano, demasiado humano
Ana mortificava-se cada vez que as pessoas diziam aquilo. "Sensível - e demais". Ela sabia que os outros sabiam. Não era uma simples questão de sentir. As muitas coisas perversas estavam lá, gritantes, pulsantes. Todos viam. Apenas se encarregavam de ver a medida do que lhes interessava. Para suportar a dor. Para sobreviver à máquina de moer gente. Para manter os conchavos.
Ana negava-se a não ver. Não poderia perder-se de si mesma. Não suportaria ver-se escorrendo entre os dedos. Nem a si nem às que foram antes dela. Vivia no limite do suportável. Esticava-se, mas a sua integridade não era tão elástica como outras por aí.
Comprou briga. Peitou os monstros amarelos. O eles que engoliram, devoraram, fartaram-se não era ela. Eram seus restos mundanos.
Iluminou-se.
Devorada, balança os ombros: fazer o quê, se há quem prefira não admitir aquilo que apenas se insinua, mas está lá, (pre)potente, incólume, nutrido de covardia e de hipocrisia?
Os monstros amarelos continuam lá. Já não fazem diferença.
Ana venceu . Ainda que muitos achem que perdeu. Tanto faz, para ela. Tem o sorriso confiante de quem se negou à alimentação de algo que não era vegetal nem animal. Apenas humano, demasiado humano.
Ana negava-se a não ver. Não poderia perder-se de si mesma. Não suportaria ver-se escorrendo entre os dedos. Nem a si nem às que foram antes dela. Vivia no limite do suportável. Esticava-se, mas a sua integridade não era tão elástica como outras por aí.
Comprou briga. Peitou os monstros amarelos. O eles que engoliram, devoraram, fartaram-se não era ela. Eram seus restos mundanos.
Iluminou-se.
Devorada, balança os ombros: fazer o quê, se há quem prefira não admitir aquilo que apenas se insinua, mas está lá, (pre)potente, incólume, nutrido de covardia e de hipocrisia?
Os monstros amarelos continuam lá. Já não fazem diferença.
Ana venceu . Ainda que muitos achem que perdeu. Tanto faz, para ela. Tem o sorriso confiante de quem se negou à alimentação de algo que não era vegetal nem animal. Apenas humano, demasiado humano.
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
Ecce homo
Ecce homo
Os livros pesavam. Não mais que todas as tarefas inconclusas. Pressa, ela tinha muita. Havia fila para retirada dos livros. Ana nunca vira isso antes naquele horário. Duas pessoas na frente nem chega a ser fila, consolava-se. Seria rapidinho. Meio-dia, só um atendente para retirada e outro para a devolução. Se ela soubesse usar o tal terminal de autoatendimento. Aquilo não era banco! Ou era? De certas duas formas. Mas que muvuca era aquela? Por que aquelas duas não saíam da frente do balcão? O atendente só balançava a cabeça. Ana apurou o ouvido:
- Mas, Tio, eu preciso do livro. Tu não entendes?
A moça falou “preciso” esticando o “i” e flexionando as pernas. Ana reparou no casaco da moça. Lindo. O rapaz da frente desistiu:
- Eu larguei aquelas duas. – Disse o moço para Ana.
Ana ficou feliz: um a menos. Coitado, se estressou. Esses jovens... Como se ela não tivesse zilhões de trabalhos para corrigir, aula para preparar, capítulo da tese para terminar. Ana deu um passo a frente. A moça remexeu-se toda. Ana pôde ver a marca do jeans. Dolce&Gabana. Ana sabia. Sabia bem. Ana esquecera de pegar aquele livro do Nietsche. Azar. Seguiria as próprias ideias. Riu-se. Sempre fora a Ana inteligente; a irmã, a Ana bonita. A acompanhante da mocinha enrubescia, enrubescia. A mocinha insistia, insistia...
- Mas Tio, não vê que...
Ana não queria irritar-se. O atendente, pela décima vez, explicava que fila de espera era fila de espera. Por que ela não comprava o livro? Será que não podia comprar? Não, aquelas não eram roupas de brechó. Bem, poderiam ser emprestadas. Mas o cabelinho loiro fabricado no capricho não. Coisa de salão chique. Também ninguém empresta sapato, deforma. Ana sabia. De ouvir falar. Entrara ouvidos adentro no seu antigo emprego. Mesmo que não quisesse. Mesmo que não fosse ser do mesmo mundinho.Tantas e tantas vezes!
O outro rapaz que estava na fila também desistiu. Ana sentiu-se aliviada. Menos dois. Esses jovens não têm paciência pra nada.
O atendente gastara os argmuentos. A moça apelava para o charme.
- Mas, olha só, quem vai saber, né, Tio? Hoje já é quarta, faz meu fíndi mais feliz, please...
O cabelo brilhava. Só se fosse filha de cabeleireira. Ou se tivesse pegado as roupas da patroa. Mas aquele jeitinho era de moça mimada. Ana sabia. Sabia bem.
Formava-se uma pequena fila atrás de Ana. Cinco pessoas. Ana sentia-se bem em estar na frente. Súbito, gostou da mocinha, embora não o soubesse. Devia a ela seus instantes de glória, intuiu. Ana não sabia. Sabia mal. Finalmente, era a primeira em algo. Que a mocinha pudesse comprar o livro! Que propusesse burlar o regulamento! Que usasse o jeitinho! Ana era a primeira - da fila, mas a primeira. Jamais sairia dali para buscar o livro do Nietsche.
A amiga ao lado interveio:
- Eu vi esse livro lá na Fnac por...
- Tu tá doida, né? Capaz que vou gastar dinheiro em porcaria de livro. – Interrompeu, irada, a moça. – Só tu mesma pra ter um teto desses.
A amiga sorriu roxo. Outro atendente chegou.
- Próxima!
Ana era a próxima. Não desgrudava os olhos de sua heroína. Aquela menina seguia suas próprias ideias.
- Carteirinha, por favor.
Ana entregou, automática. A mocinha continuava, agora sem a amiga ao lado e para um supervisor. Ele balançava a cabeça negativamente.
- Senha, por favor.
Ana contemplava, absorta. Aquela menina seguia suas ideias. Nunca ouvira tão brilhante argumentação. Vai ver que o livro teria uma finalidade...
- Sua senha, senhora, por gentileza.
Ana digitou.
- Pronto. Próximo.
Ana teria que sair dali. Pegou os livros. Passou o cartão do lado errado da roleta. O monitor teve de ajudá-la. Vergonha. Caminhava devagar. Não conseguiria terminar todas as tarefas mesmo. Segurava à força aquele gostinho ácido de contentamento desordenado. Pagou o estacionamento. Arrastava-se. Uma lufada de frescor e perfume. Era a mocinha. Zunindo para um C4 vermelho. Colocou a pasta, os livros sobre o capô. Procurava algo na bolsa. Ana foi se aproximando. A mocinha bateu com a bolsa na pilha de coisas sobre o capô. Tudo se espalhou no chão. Ana correu para ajudar. A moça foi mais rápida. Recolheu tudo, jogou-se no carro. Havia um livro no chão. A moça ligou o carro. Ana recolheu o livro. Grande, pesado e velho. A mocinha freou a tempo de não atropelar Ana. Abriu o vidro e gritou:
- Tá maluca, dona?
Ana olhou o título: “Ecce homo”. Mostrou o livro pra mocinha:
- É seu?
A mocinha falou:
- Pirou que vou ler essa velharia. Pega pra ti ou joga no lixo.
E saiu queimando pneus.
Os livros pesavam. Não mais que todas as tarefas inconclusas. Pressa, ela tinha muita. Havia fila para retirada dos livros. Ana nunca vira isso antes naquele horário. Duas pessoas na frente nem chega a ser fila, consolava-se. Seria rapidinho. Meio-dia, só um atendente para retirada e outro para a devolução. Se ela soubesse usar o tal terminal de autoatendimento. Aquilo não era banco! Ou era? De certas duas formas. Mas que muvuca era aquela? Por que aquelas duas não saíam da frente do balcão? O atendente só balançava a cabeça. Ana apurou o ouvido:
- Mas, Tio, eu preciso do livro. Tu não entendes?
A moça falou “preciso” esticando o “i” e flexionando as pernas. Ana reparou no casaco da moça. Lindo. O rapaz da frente desistiu:
- Eu larguei aquelas duas. – Disse o moço para Ana.
Ana ficou feliz: um a menos. Coitado, se estressou. Esses jovens... Como se ela não tivesse zilhões de trabalhos para corrigir, aula para preparar, capítulo da tese para terminar. Ana deu um passo a frente. A moça remexeu-se toda. Ana pôde ver a marca do jeans. Dolce&Gabana. Ana sabia. Sabia bem. Ana esquecera de pegar aquele livro do Nietsche. Azar. Seguiria as próprias ideias. Riu-se. Sempre fora a Ana inteligente; a irmã, a Ana bonita. A acompanhante da mocinha enrubescia, enrubescia. A mocinha insistia, insistia...
- Mas Tio, não vê que...
Ana não queria irritar-se. O atendente, pela décima vez, explicava que fila de espera era fila de espera. Por que ela não comprava o livro? Será que não podia comprar? Não, aquelas não eram roupas de brechó. Bem, poderiam ser emprestadas. Mas o cabelinho loiro fabricado no capricho não. Coisa de salão chique. Também ninguém empresta sapato, deforma. Ana sabia. De ouvir falar. Entrara ouvidos adentro no seu antigo emprego. Mesmo que não quisesse. Mesmo que não fosse ser do mesmo mundinho.Tantas e tantas vezes!
O outro rapaz que estava na fila também desistiu. Ana sentiu-se aliviada. Menos dois. Esses jovens não têm paciência pra nada.
O atendente gastara os argmuentos. A moça apelava para o charme.
- Mas, olha só, quem vai saber, né, Tio? Hoje já é quarta, faz meu fíndi mais feliz, please...
O cabelo brilhava. Só se fosse filha de cabeleireira. Ou se tivesse pegado as roupas da patroa. Mas aquele jeitinho era de moça mimada. Ana sabia. Sabia bem.
Formava-se uma pequena fila atrás de Ana. Cinco pessoas. Ana sentia-se bem em estar na frente. Súbito, gostou da mocinha, embora não o soubesse. Devia a ela seus instantes de glória, intuiu. Ana não sabia. Sabia mal. Finalmente, era a primeira em algo. Que a mocinha pudesse comprar o livro! Que propusesse burlar o regulamento! Que usasse o jeitinho! Ana era a primeira - da fila, mas a primeira. Jamais sairia dali para buscar o livro do Nietsche.
A amiga ao lado interveio:
- Eu vi esse livro lá na Fnac por...
- Tu tá doida, né? Capaz que vou gastar dinheiro em porcaria de livro. – Interrompeu, irada, a moça. – Só tu mesma pra ter um teto desses.
A amiga sorriu roxo. Outro atendente chegou.
- Próxima!
Ana era a próxima. Não desgrudava os olhos de sua heroína. Aquela menina seguia suas próprias ideias.
- Carteirinha, por favor.
Ana entregou, automática. A mocinha continuava, agora sem a amiga ao lado e para um supervisor. Ele balançava a cabeça negativamente.
- Senha, por favor.
Ana contemplava, absorta. Aquela menina seguia suas ideias. Nunca ouvira tão brilhante argumentação. Vai ver que o livro teria uma finalidade...
- Sua senha, senhora, por gentileza.
Ana digitou.
- Pronto. Próximo.
Ana teria que sair dali. Pegou os livros. Passou o cartão do lado errado da roleta. O monitor teve de ajudá-la. Vergonha. Caminhava devagar. Não conseguiria terminar todas as tarefas mesmo. Segurava à força aquele gostinho ácido de contentamento desordenado. Pagou o estacionamento. Arrastava-se. Uma lufada de frescor e perfume. Era a mocinha. Zunindo para um C4 vermelho. Colocou a pasta, os livros sobre o capô. Procurava algo na bolsa. Ana foi se aproximando. A mocinha bateu com a bolsa na pilha de coisas sobre o capô. Tudo se espalhou no chão. Ana correu para ajudar. A moça foi mais rápida. Recolheu tudo, jogou-se no carro. Havia um livro no chão. A moça ligou o carro. Ana recolheu o livro. Grande, pesado e velho. A mocinha freou a tempo de não atropelar Ana. Abriu o vidro e gritou:
- Tá maluca, dona?
Ana olhou o título: “Ecce homo”. Mostrou o livro pra mocinha:
- É seu?
A mocinha falou:
- Pirou que vou ler essa velharia. Pega pra ti ou joga no lixo.
E saiu queimando pneus.
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre
Falta mto tempo, eu sei, mas já está marcada a sessão de autógrafos de "A sinistra casa da Vovó Sinistra" na Feira do Livro de Porto Alegre:
Domingo, 13 de novembro, às 17 horas.
Bem feliz!!!
Domingo, 13 de novembro, às 17 horas.
Bem feliz!!!
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Sinistrando por aí - Colégio Cenecista - Estância Velha
Ontem à tarde, fui conversar sobre "A sinistra casa da Vovó Sinistra" com alunos do quarto e quinto anos do Colégio Cenecista de Estância Velha. Que crianças mais queridas! E inteligentes! E criativas! Fiquei boquiaberta com as perguntas que me fizeram. Prestaram atenção a cada detalhe do livro. Mas o que mais me chamou a atenção foi a leitura das imagens que fizeram. Pelas perguntas, pude perceber que conseguiram fazer uma leitura "global", aliando imagem e texto - como deve ser, afinal... Também se percebe claramente a mediação das profes na hora de estimular, conduzir - o que faz toda a diferença!
Fiquei muito, muito feliz com a curiosidade dos alunos, com o carinho e com o entusiasmo.
Seguem algumas fotos...
Fiquei muito, muito feliz com a curiosidade dos alunos, com o carinho e com o entusiasmo.
Seguem algumas fotos...
terça-feira, 2 de agosto de 2011
Em Roma, como os romanos - versão II
Sufocantes 40 graus às nove da manhã. Ana tinha a impressão de que, se fosse à janela do hotel e gritasse “Bom dia, Roma!”, haveria um brasileiro pra devolver “Bom dia por quê?”. Ou um tipinho italiano pra passar uma cantada nojenta. Isso se alguém ouvisse, barulheira que era aquela avenida. Atravessar um oceano pra ficar num hotelzinho perto de rodoviária! Claro, não era como hotelzinho de rodoviária no Brasil, ou como imaginava um, deus-a-livrasse, nunca botara seu rico pezinho num pardieiro. Mas ser hotelzinho de rodoviária. Se alguém descobrisse isso, nunca mais botaria pé na rua de tanta vergonha. Acrescida a poluição ao calor, o dia estava irrespirável. E ali estava Ana, de novo, seguindo um bando de turistas descerebrados. Tinha que estar, pagara, faria o quê? Quem mandava ser jeca e ter medo de se aventurar sozinha no “Velho Mundo”?
Ana só não se considerava mais grosseira do que essa guia espanhola que a agência arrumara. Tá certo, pensava ela, mais da metade do grupo era de caturritas argentinas e paraguaias que não paravam de papaguear o espanhol deles. Mas nem eles pareciam entender a tal da guia atarrascada. Mas não precisava muito. Ela falava iglesia, iglesia, iglesia, calle estreita, calle estreita.
"Eu merecia entrar no Museu do Vaticano melhor assessorada" - pensou Ana. - "Não consigo prestar atenção nessa patacoada ultracatólica que ela está recitando. E tanta gente, lembrei de Drummond, pra que tanta perna, meu Deus? E os meus olhos perguntam tudo..."
Ela tentava obedecer ao comando da "La capitán", como apelidaram a guia espanhola enfezada. Seus olhos, no entanto, embracaram seus pensamentos em outro passeio:
"Tem cada um que a mais imponente tapeçaria perde graça. Acho que gosto mais de bicho-gente do que bicho bordado, bicho esculpido, bicho pintado. Acho que os bichos que pintaram e bordaram é que são o tal. Falando nisso, aquele casal de caturritas eu não tinha visto ainda. De onde surgiram? Olha o naipe da gordinha puxando o marido. Quero dizer, acho que é marido, sei lá. Vai saber. Não está nem aí pro papo da Guia. Está olhando o que quer, apontando, gesticulando. A guia a chamou e a gorducha só lançou um olhar de deboche. Gostei dessa.Mas e a roupa da criatura? Twin set verde, bermuda abaixo do joelho. Roupa feia, só isso o que entrou nela. Mas e os pés? Coitada, bolhas abertas, tudo inchado. Está mancando de vez em quando. A guia a chamou de novo. De onde será que ela é? Gorda assim, só pode ser americana. Ou daquelas mexicanas que conseguem visto. Claro que é chicana, é só olhar o jeito despachado. Como entenderia a guia se não fosse. Mas tem alguma instrução. Aquela pinta sobre os lábios dão um certo ar de ascendência espanhola. É branca, branca, com os cabelos crespos e escuros. Deve ter uma empresa de prestação dos serviços que os americanos acham que não podem fazer. Forrou a carteira e casou com aquele americano, tem cidadania, tá feita na vida. Sim, porque o marido só pode ser americano. Ou de qualquer outro país bem acima dos trópicos. Na verdade, tem cara de alemão. Mas houve imigração forte de alemães para os Estados Unidos. Explicado. Bingo."
A guia chamou a “Señora” pela quarta vez para juntar-se ao grupo. A Señora veio, rindo-se. A guia explicou: a escultura diante dos seus olhos veio a Roma trazida pelos soldados da santa igreja... A "Señora" pigarreou e fez “Rãrrã” . Os olhos da senhora eram todo faíscas. A pinta sobre os lábios movimentou-se e...
- Ô, Dona Guia "La Capitán", se sabem de onde tudo isso foi roubado, por que diabos a igreja não devolve?
Um susto anima o passeio de Ana:
"Quê? Ela fala português? Ela é brasileira, como eu? A coragem da outra de perguntar isso logo pra quem. Nada de visto comprado, nada de dieta à base de MacLanche, nada de história mirabolante."
A guia encolerizou-se. Uma metralhadora de palavras. A brasileira estava à frente dela. Braços à cinta, sorriso irônico, olhos faiscantes. Olha diretamente nos olhos de "La Capitán". "Esse olhar é capaz de hipnotizar uma naja." - pensou Ana. O marido ria, cúmplice. A guia metralhou, explodiu, denotou xingamentos. A gordinha? Firme e serena. Autocontrole, cinismo puro e delicioso.
A guia cansou, afinal. A co-patriota de Ana apenas disse:
- Eu estou indo à Capela Cistina.
ASeñora olhou para Ana. No fundo dos olhos. "Alguém finalmente me vê em Roma" - pensa a moça. E disse:
- Alguém mais vem conosco?
É claro que Ana foi. E mais alguns. E muitas pessoas. Não são mais caturritas. E outros e outras. A guia ficou para trás. Só bandos é que precisavam de líder.
Ana só não se considerava mais grosseira do que essa guia espanhola que a agência arrumara. Tá certo, pensava ela, mais da metade do grupo era de caturritas argentinas e paraguaias que não paravam de papaguear o espanhol deles. Mas nem eles pareciam entender a tal da guia atarrascada. Mas não precisava muito. Ela falava iglesia, iglesia, iglesia, calle estreita, calle estreita.
"Eu merecia entrar no Museu do Vaticano melhor assessorada" - pensou Ana. - "Não consigo prestar atenção nessa patacoada ultracatólica que ela está recitando. E tanta gente, lembrei de Drummond, pra que tanta perna, meu Deus? E os meus olhos perguntam tudo..."
Ela tentava obedecer ao comando da "La capitán", como apelidaram a guia espanhola enfezada. Seus olhos, no entanto, embracaram seus pensamentos em outro passeio:
"Tem cada um que a mais imponente tapeçaria perde graça. Acho que gosto mais de bicho-gente do que bicho bordado, bicho esculpido, bicho pintado. Acho que os bichos que pintaram e bordaram é que são o tal. Falando nisso, aquele casal de caturritas eu não tinha visto ainda. De onde surgiram? Olha o naipe da gordinha puxando o marido. Quero dizer, acho que é marido, sei lá. Vai saber. Não está nem aí pro papo da Guia. Está olhando o que quer, apontando, gesticulando. A guia a chamou e a gorducha só lançou um olhar de deboche. Gostei dessa.Mas e a roupa da criatura? Twin set verde, bermuda abaixo do joelho. Roupa feia, só isso o que entrou nela. Mas e os pés? Coitada, bolhas abertas, tudo inchado. Está mancando de vez em quando. A guia a chamou de novo. De onde será que ela é? Gorda assim, só pode ser americana. Ou daquelas mexicanas que conseguem visto. Claro que é chicana, é só olhar o jeito despachado. Como entenderia a guia se não fosse. Mas tem alguma instrução. Aquela pinta sobre os lábios dão um certo ar de ascendência espanhola. É branca, branca, com os cabelos crespos e escuros. Deve ter uma empresa de prestação dos serviços que os americanos acham que não podem fazer. Forrou a carteira e casou com aquele americano, tem cidadania, tá feita na vida. Sim, porque o marido só pode ser americano. Ou de qualquer outro país bem acima dos trópicos. Na verdade, tem cara de alemão. Mas houve imigração forte de alemães para os Estados Unidos. Explicado. Bingo."
A guia chamou a “Señora” pela quarta vez para juntar-se ao grupo. A Señora veio, rindo-se. A guia explicou: a escultura diante dos seus olhos veio a Roma trazida pelos soldados da santa igreja... A "Señora" pigarreou e fez “Rãrrã” . Os olhos da senhora eram todo faíscas. A pinta sobre os lábios movimentou-se e...
- Ô, Dona Guia "La Capitán", se sabem de onde tudo isso foi roubado, por que diabos a igreja não devolve?
Um susto anima o passeio de Ana:
"Quê? Ela fala português? Ela é brasileira, como eu? A coragem da outra de perguntar isso logo pra quem. Nada de visto comprado, nada de dieta à base de MacLanche, nada de história mirabolante."
A guia encolerizou-se. Uma metralhadora de palavras. A brasileira estava à frente dela. Braços à cinta, sorriso irônico, olhos faiscantes. Olha diretamente nos olhos de "La Capitán". "Esse olhar é capaz de hipnotizar uma naja." - pensou Ana. O marido ria, cúmplice. A guia metralhou, explodiu, denotou xingamentos. A gordinha? Firme e serena. Autocontrole, cinismo puro e delicioso.
A guia cansou, afinal. A co-patriota de Ana apenas disse:
- Eu estou indo à Capela Cistina.
ASeñora olhou para Ana. No fundo dos olhos. "Alguém finalmente me vê em Roma" - pensa a moça. E disse:
- Alguém mais vem conosco?
É claro que Ana foi. E mais alguns. E muitas pessoas. Não são mais caturritas. E outros e outras. A guia ficou para trás. Só bandos é que precisavam de líder.
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Em Roma, como os romanos
Sufocantes 40 graus às nove da manhã. Tenho a impressão de que se eu fosse à janela do hotel e gritasse “Bom dia, Roma!” certamente haveria um brasileiro pra me devolver “Bom dia por quê?”. Ou um tipinho italiano para me passar uma cantada nojenta. Isso se alguém ouvisse, barulheira que é aquela avenida. Atravessar um oceano pra ficar num hotelzinho perto de rodoviária! Claro, não é como hotelzinho de rodoviária no Brasil, ou como imagino que seja um, deus-me-livre, nunca botei meu rico pezinho num pardieiro, mas não deixa de ser hotelzinho de rodoviária. Se alguém descobre isso, nunca mais boto meu pé na rua de tanta vergonha. Acrescida a poluição ao calor, o dia está irrespirável. E aqui estou eu, de novo, seguindo um bando de turistas descerebrados. Tenho que estar, paguei, fazer o quê? Quem manda ser jeca e ter medo de se aventurar sozinha no “Velho Mundo”? É o preço que eu pago por grossa...
Só não sou mais grosseira do que essa guia espanhola que nos arrumaram. Tá certo que mais da metade do grupo é de caturritas argentinas e paraguaias que não param de papaguear o espanhol deles. Mas nem eles parecem entendê-la. Mas não precisa muito. Ela só sabe falar iglesia, iglesia, iglesia, calle estreita, calle estreita. Eu merecia entrar no Museu do Vaticano melhor assessorada. Não consigo prestar atenção nessa patacoada ultracatólica que ela está recitando. E tanta gente, lembrei de Drummond, pra que tanta perna, meu Deus? E os meus olhos perguntam tudo...
Tem cada um que a mais imponente tapeçaria perde graça. Acho que gosto mais de bicho-gente do que bicho bordado, bicho esculpido, bicho pintado. Acho que os bichos que pintaram e bordaram é que são o tal. Falando nisso, aquele casal de caturritas eu não tinha visto ainda. De onde surgiram? Olha o naipe da gordinha puxando o marido. Quero dizer, acho que é marido, sei lá. Vai saber. Não está nem aí pro papo da Guia. Está olhando o que quer, apontando, gesticulando. A guia a chamou e a gorducha só lançou um olhar de deboche. Gostei dessa.
Mas e a roupa da criatura? Twin set verde, bermuda abaixo do joelho. Roupa feia, só isso o que entrou nela. Mas e os pés? Coitada, bolhas abertas, tudo inchado. Está mancando de vez em quando. A guia a chamou de novo. De onde será que ela é? Gorda assim, só pode ser americana. Ou daquelas mexicanas que conseguem visto. Claro que é chicana, é só olhar o jeito despachado. Como entenderia a guia se não fosse. Mas tem alguma instrução. Aquela pinta sobre os lábios dão um certo ar de ascendência espanhola. É branca, branca, com os cabelos crespos e escuros. Deve ter uma empresa de prestação dos serviços que os americanos acham que não podem fazer. Forrou a carteira e casou com aquele americano, tem cidadania, tá feita na vida. Sim, porque o marido só pode ser americano. Ou de qualquer outro país bem acima dos trópicos. Na verdade, tem cara de alemão. Mas houve imigração forte de alemães para os Estados Unidos. Explicado. Bingo.
A guia a chama a “Señora” pela quarta vez para juntar-se ao grupo. A Señora vem, rindo-se. A guia explica que a escultura diante da qual faz todos pararem veio a Roma trazida pelos soldados da santa igreja... Não ouço mais nada além do “Rãrrã” que a “Señora” faz. Ela vai interromper a guia, eu sei que vai...
Os olhos da senhora são todo faíscas. Vejo a pinta sobre os lábios movimentar-se e....
- Ô, Dona Guia, se sabem de onde tudo isso foi roubado, por que diabos a igreja não devolve?
Quê? Ela fala português? Ela é brasileira, como eu? A coragem da outra de perguntar isso logo pra quem. Nada de visto comprado, nada de dieta à base de MacLanche. A guia encoleriza-se. Sei lá o que está xingando. Ela virou uma metralhadora de palavras. A gorda brasileira está à frente dela. Braços à cinta, sorriso irônico, olhos faiscantes. Olha diretamente nos olhos da guia. Esse olhar é capaz de hipnotizar uma naja. O marido ri, cúmplice. A guia metralha, explode, denota palavras. A gordinha está firme e serena. Autocontrole e cinismo puro e delicioso. Por que ela não se controla assim na frente de doces? Ou será que ela sabe o gozo puro?
Quando a guia cansa, a minha co-patriota apenas diz:
- Eu estou indo à Capela Cistina.
Ela olha para mim. Alguém finalmente me vê em Roma. E me diz:
- Alguém mais vem conosco?
É claro que eu vou. E mais alguns. Não são mais caturritas. E mais outros e outras. A guia fica para trás. Só bandos é que precisam de líder.
Só não sou mais grosseira do que essa guia espanhola que nos arrumaram. Tá certo que mais da metade do grupo é de caturritas argentinas e paraguaias que não param de papaguear o espanhol deles. Mas nem eles parecem entendê-la. Mas não precisa muito. Ela só sabe falar iglesia, iglesia, iglesia, calle estreita, calle estreita. Eu merecia entrar no Museu do Vaticano melhor assessorada. Não consigo prestar atenção nessa patacoada ultracatólica que ela está recitando. E tanta gente, lembrei de Drummond, pra que tanta perna, meu Deus? E os meus olhos perguntam tudo...
Tem cada um que a mais imponente tapeçaria perde graça. Acho que gosto mais de bicho-gente do que bicho bordado, bicho esculpido, bicho pintado. Acho que os bichos que pintaram e bordaram é que são o tal. Falando nisso, aquele casal de caturritas eu não tinha visto ainda. De onde surgiram? Olha o naipe da gordinha puxando o marido. Quero dizer, acho que é marido, sei lá. Vai saber. Não está nem aí pro papo da Guia. Está olhando o que quer, apontando, gesticulando. A guia a chamou e a gorducha só lançou um olhar de deboche. Gostei dessa.
Mas e a roupa da criatura? Twin set verde, bermuda abaixo do joelho. Roupa feia, só isso o que entrou nela. Mas e os pés? Coitada, bolhas abertas, tudo inchado. Está mancando de vez em quando. A guia a chamou de novo. De onde será que ela é? Gorda assim, só pode ser americana. Ou daquelas mexicanas que conseguem visto. Claro que é chicana, é só olhar o jeito despachado. Como entenderia a guia se não fosse. Mas tem alguma instrução. Aquela pinta sobre os lábios dão um certo ar de ascendência espanhola. É branca, branca, com os cabelos crespos e escuros. Deve ter uma empresa de prestação dos serviços que os americanos acham que não podem fazer. Forrou a carteira e casou com aquele americano, tem cidadania, tá feita na vida. Sim, porque o marido só pode ser americano. Ou de qualquer outro país bem acima dos trópicos. Na verdade, tem cara de alemão. Mas houve imigração forte de alemães para os Estados Unidos. Explicado. Bingo.
A guia a chama a “Señora” pela quarta vez para juntar-se ao grupo. A Señora vem, rindo-se. A guia explica que a escultura diante da qual faz todos pararem veio a Roma trazida pelos soldados da santa igreja... Não ouço mais nada além do “Rãrrã” que a “Señora” faz. Ela vai interromper a guia, eu sei que vai...
Os olhos da senhora são todo faíscas. Vejo a pinta sobre os lábios movimentar-se e....
- Ô, Dona Guia, se sabem de onde tudo isso foi roubado, por que diabos a igreja não devolve?
Quê? Ela fala português? Ela é brasileira, como eu? A coragem da outra de perguntar isso logo pra quem. Nada de visto comprado, nada de dieta à base de MacLanche. A guia encoleriza-se. Sei lá o que está xingando. Ela virou uma metralhadora de palavras. A gorda brasileira está à frente dela. Braços à cinta, sorriso irônico, olhos faiscantes. Olha diretamente nos olhos da guia. Esse olhar é capaz de hipnotizar uma naja. O marido ri, cúmplice. A guia metralha, explode, denota palavras. A gordinha está firme e serena. Autocontrole e cinismo puro e delicioso. Por que ela não se controla assim na frente de doces? Ou será que ela sabe o gozo puro?
Quando a guia cansa, a minha co-patriota apenas diz:
- Eu estou indo à Capela Cistina.
Ela olha para mim. Alguém finalmente me vê em Roma. E me diz:
- Alguém mais vem conosco?
É claro que eu vou. E mais alguns. Não são mais caturritas. E mais outros e outras. A guia fica para trás. Só bandos é que precisam de líder.
terça-feira, 19 de julho de 2011
Ana não se concentrava em sua leitura. Mas quem não notaria aquele grupo? Ana lutava para tirar os olhos delas, as espetaculosas. Abrigos de ginástica, adereços nos cabelos surrupiados das netas, um ou outro botox e aqueles estranhos lenços amarelos em todos os pescoços, embora amarrados das mais diversas e bizarras maneiras. Para onde iriam? O fragmento de conversa que Ana conseguiu escutar não foi muito elucidativo:
- Por que medo de avião? – riu-se, teatral, uma das viajantes.- Bem capaz...Se o avião cair, já pensou na comoção nacional?
Ela não ouviu a resposta da interlocutora. Um grupo formava-se em torno da insólita palestrante. Ela prosseguiu:
- Já pensou? Nossos nomes em todos os noticiários, o jornal nacional terminando em silêncio em nossa homenagem, as alegres senhoras da melhor idade?
Outra completou o raciocínio:
- Bem melhor do que morrer atropelada na esquina de casa...
- ... ou de doença ruim em leito de hospital.- retomou a palestrante.
Ana riu-se: só faltava agora uma delas puxar um protesto contra as fraldas geriátricas.
- Imagina: tu morres e ninguém fica sabendo...
O burburinho consensual do grupo dos lenços amarelos provocou um calafrio em Ana: estariam elas torcendo que o avião caísse? Ana dispensava aquela fama. Que Deus a livrasse que o grupo estivesse no mesmo voo que ela.
- Minha irmã morreria de inveja de ver meu nome na TV.
Não, isso já era demais para Ana. Colocou os fones de ouvido e retomou a leitura. Aumentou o volume da música até o limite do suportável. Vez que outra, erguia os olhos para o grupo. Até que debandaram. Foram-se. Fila de embarque prioritário: Ana também um dia quer chegar lá.
Ana tirou os fones. Foi ao banheiro. Anunciava-se a última chamada para o embarque do voo 1938 da Gol com destino a Belo Horizonte e demais escalas no portão 6. O voo delas, só poderia. 1938. Devem ter nascido nesse ano, pouco antes, pouco depois. E que belo horizonte pintaram na sala de embarque... Ana gostou da associação que fizera. Precisava escrever isso. Foi quando anunciaram:
- Sra. Ana Maria de Souza, queira se apresentar ao funcionário da Gol no portão 6.
Não entendeu: como assim, apresentar-se ao funcionário? Seu voo era só dali a meia hora. Não, não era: conferiu o cartão de embarque, estava enganada. Era o voo delas. A voz do além repetiu:
- Sra. Ana Maria de Souza, queira se apresentar ao funcionário da Gol no portão 6.
Ora, Ana Maria de Souza. Há muitas anas marias de Souza. Ela era a Ana da Dona Maria e do seu José. Mas, havendo muitas anas filhas de marias e josés, era a mulher do João e a mãe da Kammilly e da Kettlyn.
A voz insistia. Ela encarregou-se de não ouvir. Era o voo delas. Não o dela. Não era mulher de coisas dessa natureza, de medrar e de dissimular. Em todo caso e no caso todo, arrumou desculpa quando chegou em casa. Qualquer uma poderia ser anamariadesouza. Ninguém poderia ser ela mesma. Era a parte que lhe cabia nesse latifúndio.
- Por que medo de avião? – riu-se, teatral, uma das viajantes.- Bem capaz...Se o avião cair, já pensou na comoção nacional?
Ela não ouviu a resposta da interlocutora. Um grupo formava-se em torno da insólita palestrante. Ela prosseguiu:
- Já pensou? Nossos nomes em todos os noticiários, o jornal nacional terminando em silêncio em nossa homenagem, as alegres senhoras da melhor idade?
Outra completou o raciocínio:
- Bem melhor do que morrer atropelada na esquina de casa...
- ... ou de doença ruim em leito de hospital.- retomou a palestrante.
Ana riu-se: só faltava agora uma delas puxar um protesto contra as fraldas geriátricas.
- Imagina: tu morres e ninguém fica sabendo...
O burburinho consensual do grupo dos lenços amarelos provocou um calafrio em Ana: estariam elas torcendo que o avião caísse? Ana dispensava aquela fama. Que Deus a livrasse que o grupo estivesse no mesmo voo que ela.
- Minha irmã morreria de inveja de ver meu nome na TV.
Não, isso já era demais para Ana. Colocou os fones de ouvido e retomou a leitura. Aumentou o volume da música até o limite do suportável. Vez que outra, erguia os olhos para o grupo. Até que debandaram. Foram-se. Fila de embarque prioritário: Ana também um dia quer chegar lá.
Ana tirou os fones. Foi ao banheiro. Anunciava-se a última chamada para o embarque do voo 1938 da Gol com destino a Belo Horizonte e demais escalas no portão 6. O voo delas, só poderia. 1938. Devem ter nascido nesse ano, pouco antes, pouco depois. E que belo horizonte pintaram na sala de embarque... Ana gostou da associação que fizera. Precisava escrever isso. Foi quando anunciaram:
- Sra. Ana Maria de Souza, queira se apresentar ao funcionário da Gol no portão 6.
Não entendeu: como assim, apresentar-se ao funcionário? Seu voo era só dali a meia hora. Não, não era: conferiu o cartão de embarque, estava enganada. Era o voo delas. A voz do além repetiu:
- Sra. Ana Maria de Souza, queira se apresentar ao funcionário da Gol no portão 6.
Ora, Ana Maria de Souza. Há muitas anas marias de Souza. Ela era a Ana da Dona Maria e do seu José. Mas, havendo muitas anas filhas de marias e josés, era a mulher do João e a mãe da Kammilly e da Kettlyn.
A voz insistia. Ela encarregou-se de não ouvir. Era o voo delas. Não o dela. Não era mulher de coisas dessa natureza, de medrar e de dissimular. Em todo caso e no caso todo, arrumou desculpa quando chegou em casa. Qualquer uma poderia ser anamariadesouza. Ninguém poderia ser ela mesma. Era a parte que lhe cabia nesse latifúndio.
terça-feira, 12 de julho de 2011
"Lobateando" por aí - Escola Sinodal Dorothea - Taquara
A convite da Profe Karlene, por intermédio da Prof.a. Marlene (até combinaram os nomes), fui conversar com uma turminha do Dorothea, em Taquara, sobre Monteiro Lobato.
A boa impressão começou na entrada da sala: ultrapassada uma cortina, era como se eu entrasse em um mundo mágico. Lindo, lindo!
Eles queriam saber quem era e por onde andava a mãe da Narizinho, onde ficava o Sítio, se a Cuca e o Saci realmente existem... Claro que sim, ué!
Aproveitando a visita, dei uma passadinha na sala ao lado, da Profe Cris, que já havia lido três vezes "A sinistra casa da Vovó Sinistra" para a turma, já que a Laura ganhou o livro da sua vovó (nada sinistra) e trouxe para a escola. Fizeram uns cartões lindos, que seguem abaixo:
A boa impressão começou na entrada da sala: ultrapassada uma cortina, era como se eu entrasse em um mundo mágico. Lindo, lindo!
Eles queriam saber quem era e por onde andava a mãe da Narizinho, onde ficava o Sítio, se a Cuca e o Saci realmente existem... Claro que sim, ué!
Aproveitando a visita, dei uma passadinha na sala ao lado, da Profe Cris, que já havia lido três vezes "A sinistra casa da Vovó Sinistra" para a turma, já que a Laura ganhou o livro da sua vovó (nada sinistra) e trouxe para a escola. Fizeram uns cartões lindos, que seguem abaixo:
Dobradura de casinha, que se abre toda, recheada de desenhos dos personagens do livro e da casa sinistra |
Olha a Vovó de cabelos brancos |
A turma da Profe Karlene |
"Sinistrando" por aí...
Fui conversar com os coleguinhas do meu filho, do N5 do Pindô, sobre o meu livro. Uma menina - de cinco anos, pasmem! - me perguntou:
- Por que tem duas histórias misturadas?
Eu, obviamente, fiquei no "como assim". E a menina explicou:
- É que tem Cuca, tem uma avó e dois primos como no Sítio.
Com 5 anos!
Fiquei impressionada com as relações que eles fazem. E como gostam de histórias de "dar medo"! Ufa, não é só o meu filho! E como têm assunto, opiniões sobre tudo!
Como se todo esse carinho não fosse suficiente, ainda ganhei uma caderneta e duas canetas para anotar as ideias que eu possa ter por aí. Dentro da caderneta, as carinhosas anotações da Profe sobre o que os alunos comentaram sobre o livro, além de belos desenhos da "casa sinistra".
Link das fotos da atividade e das casas sinistras que eles construíram - site da IENH: http://www.ienh.com.br/site2008/index.php?unidade=1&destaque=2556
- Por que tem duas histórias misturadas?
Eu, obviamente, fiquei no "como assim". E a menina explicou:
- É que tem Cuca, tem uma avó e dois primos como no Sítio.
Com 5 anos!
Fiquei impressionada com as relações que eles fazem. E como gostam de histórias de "dar medo"! Ufa, não é só o meu filho! E como têm assunto, opiniões sobre tudo!
Como se todo esse carinho não fosse suficiente, ainda ganhei uma caderneta e duas canetas para anotar as ideias que eu possa ter por aí. Dentro da caderneta, as carinhosas anotações da Profe sobre o que os alunos comentaram sobre o livro, além de belos desenhos da "casa sinistra".
Link das fotos da atividade e das casas sinistras que eles construíram - site da IENH: http://www.ienh.com.br/
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Carro Novo
CARRO NOVO
Para a Vera Winter, que me deu a ideia inicial.
Ela ganhou um carro novo. Novinho em folha. Vermelho flamante! Air bag, essas muitas demais coisas. Ela foi dar a primeira volta. Bem pertinho, como de resto eram todos os lugares naquele distrito. Só ali no consultório do marido, levar uns papéis e voltar. Como se engata a primeira? Automático.
Rua vazia, estacionou bem. As pernas tremiam ao subir as escadas do consultório. Inverno alto, sala de espera cheia. Cumprimentou a todos, sorriu, redundou-se. Beirava à primeira-dama.
No entanto, ao sair do consultório, congelou no primeiro degrau. Fato inédito no distrito, dois outros carros apertavam o seu. Como sairia, com aquela banheirinha flamejante dali?
Mal controlava as pernas ao descer as escadas. Nenhum plano bom o bastante assomava-lhe à mente. Eis que surge, na esquina, um daqueles cidadãos que ela já avistara no consultório do marido. Era boa gente, o jeito sério atestava. Depois, naquele fim-de-mundo-à-esquerda, valiam, ainda, os fios do bigode. Ele tinha muitos.
- Será que o senhor poderia me ajudar? – perguntou a iminente primeira-dama.
O sujeito não disfarçou o espanto. Ajeitou o pala e a boina, pigarreou e respondeu:
- Mas, com orgulho, Dona, seu criado! O que se passa?
A notável senhora explicou que o carro estava com um defeitinho, coisa pouca vinda de fábrica, precisava de ajuda pra tirar dali, sabe como é mulher. Odiou-se por dizer isso. Simone de Bevouir que fosse às favas, era uma emergência.
O homem tirou a boina, cabelo seboso evidenciou-se. A distinta dama arrependeu-se, mas já era tarde: entregou a chave. A quantos dias ele não tomava banho? – Calculou ela. O tosco sujeito tirou o carro em duas manobras. E seguiu com ele. A estupefata senhora acompanhou o carro com os olhos. Não, não poderia gritar. E agora? Enganara-se quanto aos fios do bigode. Nem lá, onde o diabo perdeu as meias, valia essa regra. Fora idiota. Mas certa ingenuidade até lhe faria bem. Isso se não fosse com o carro. Justo o carro. Novo. Flamante.
Polícia. Era o que precisava. Nisso, a secretaria do marido e todos os pacientes da sala de espera desciam as escadas. Grande público para assistir à sua espetacular demonstração de estupidez.
- A senhora está bem? Não lhe fizeram nada?
As pessoas a cercaram. O marido voou escadaria abaixo. O que houve? Como souberam?
- Uma senhora da rua de baixo ligou pro consultório falando que viu um homem mal encarado com o seu carro. Já chamei a polícia.
Ela quis contar, mas não teve tempo. A sirene da polícia. O marido a sacudindo. Metade do distrito comentando a sua palidez. Quem seria o bandido? Quando o Doutor fosse o subprefeito, não haveria mais essas barbaridades ali. Isso é lá coisa que se faça com uma dama tão caridosa?
As vozes clamavam por justiça. A senhora queria contar. A boca secou. A imagem lhe caía bem. Melhor que a boca secasse. Melhor que estivesse pálida. Desmaio não, porque não pode ser fraca demais. Vítima com dignidade é ótimo pra qualquer campanha. Lá no final da rua, um ronco potente de motor. Buzina, buzina abriu alas. Era o flamante. Os dois policiais mandaram o povo se afastar, porque, qualquer coisa, correria bala. Ah, se correria.
O homem parou o carro no meio da rua. Saiu sob mira trêmula dos dois revólveres. O povo, incrédulo, murmurou: “O Guedes, logo o Guedes”.
Sem nada entender, ele se dirigiu à grande dama, e amparada pelo marido e duas enfermeiras:
- Seu carro não tem problema nenhum, não, dona.
Foi quando quatro paisanos o imobilizaram. Chutes, pontapés. De dentro da viatura, o homem berrou:
- O problema é naquela pecinha atrás do volante.
terça-feira, 28 de junho de 2011
Histórias de histórias
As professoras do meu filho, que está no N5 bilíngue, elaboraram uma tarefa que mobilizou todo mundo aqui em casa. Precisamos montar uma caixa, que deve ter a cara da família, na qual, como primeira tarefa, devem constar registros das histórias de que o pai e/ou a mãe gostavam quando crianças, registrando tb o título em inglês... Imaginem de quem eu falei? Segue o textinho que elaborei para a tal caixa... Ah, amanhã postarei a foto da caixa, pq agora estou com muita, muita pressa...
Quando eu tinha mais ou menos a idade que o meu filho, João Pedro, tem agora, começou a passar na TV um seriado chamado “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”. No começo, não gostei muito da ideia, porque adorava a Vila Sésamo, o seriado que saiu do ar para que o Sítio entrasse. Foi só no começo...
Quando fui para a primeira série, tinha aula à tarde, numa escola que ficava bem pertinho da minha casa. Meus colegas e eu saíamos correndo quando acabava a aula, às 17h, porque às 17h15min começava “O Sítio”. Não dava para perder um segundinho – e ainda havia reprise de manhã.
Um dia, na aula, a minha profe, a Dona Nise, disse que as histórias do Sítio estavam em livros de um “tal” de Monteiro Lobato. Ficou de trazer um para que nós víssemos, mas sempre esquecia... Foi quando resolvi pedir para que meu pai comprasse um. Um dia, na volta de uma das muitas viagens que ela fazia a trabalho, trouxe um exemplar de “Memórias de Emília” – exatamente o que estava passando na TV na época. Dei um jeito de passar do “Ivo viu a uva” da cartilha escolar para as deliciosas páginas do Tio Lobato. Não sei como fiz isso – vai ver, de teimosa que sou.
Claro que, depois de descobrir que a história da TV não era tão bacana quanto a do livro, o seriado perdeu um pouco a graça. Até o achei meio mentirosinho. Arrumei algumas encrencas na escola por causa disso, mas nada de grave. Mas o que aprendi, mesmo sem o saber na época, é que o livro é, como queria o Tio Lobato, todo um mundo em que crianças e adultos podem morar dentro.
Bem, hoje, depois de bem grandinha, continuo lendo as histórias do Lobato. Com outros olhos – os de pesquisadora, claro. Mas sempre encantados, encontrando, em cada esquina de palavras, alguns dos passes de mágica que me enredaram por esse universo mágico da literatura.
“MEMÓRIAS DE EMÍLIA” – MONTEIRO LOBATO
OR
“EMÍLIA’S MEMORIES” – MONTEIRO LOBATO
Quando eu tinha mais ou menos a idade que o meu filho, João Pedro, tem agora, começou a passar na TV um seriado chamado “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”. No começo, não gostei muito da ideia, porque adorava a Vila Sésamo, o seriado que saiu do ar para que o Sítio entrasse. Foi só no começo...
Quando fui para a primeira série, tinha aula à tarde, numa escola que ficava bem pertinho da minha casa. Meus colegas e eu saíamos correndo quando acabava a aula, às 17h, porque às 17h15min começava “O Sítio”. Não dava para perder um segundinho – e ainda havia reprise de manhã.
Um dia, na aula, a minha profe, a Dona Nise, disse que as histórias do Sítio estavam em livros de um “tal” de Monteiro Lobato. Ficou de trazer um para que nós víssemos, mas sempre esquecia... Foi quando resolvi pedir para que meu pai comprasse um. Um dia, na volta de uma das muitas viagens que ela fazia a trabalho, trouxe um exemplar de “Memórias de Emília” – exatamente o que estava passando na TV na época. Dei um jeito de passar do “Ivo viu a uva” da cartilha escolar para as deliciosas páginas do Tio Lobato. Não sei como fiz isso – vai ver, de teimosa que sou.
Claro que, depois de descobrir que a história da TV não era tão bacana quanto a do livro, o seriado perdeu um pouco a graça. Até o achei meio mentirosinho. Arrumei algumas encrencas na escola por causa disso, mas nada de grave. Mas o que aprendi, mesmo sem o saber na época, é que o livro é, como queria o Tio Lobato, todo um mundo em que crianças e adultos podem morar dentro.
Bem, hoje, depois de bem grandinha, continuo lendo as histórias do Lobato. Com outros olhos – os de pesquisadora, claro. Mas sempre encantados, encontrando, em cada esquina de palavras, alguns dos passes de mágica que me enredaram por esse universo mágico da literatura.
terça-feira, 21 de junho de 2011
Pedro Bandeira defendendo a leitura de Monteiro Lobato HOJE
Oito minutinhos bem empregados: vale a pena assistir a esse vídeo do Bandeira defendendo a leitura de Monteiro Lobato hoje: http://youtu.be/D6rIXEbQb-s
Lançamento do meu livro - agradecimentos
Queridos(as)!
Quero deixar aqui registrada a minha profunda gratidão por todas as manifestações de carinho no sábado, 18/06, lançamento do meu livro e meu aníver de 40 aninhos. Foi muito emocionante não apenas pelo fato de que o auditório da Faccat estava lotado por lotar, mas que estava repleto de gente querida, amiga, que veio sinceramente prestigiar o meu livro. Agradeço a presença, o incentivo e a paciência de esperar naquela enorme fila de autógrafos (que me angustiou um pouco, confesso).
Registro a presença das minhas colegas da Fundação (Dir. Déborah, Gislaine, Noeli, Daniel), das minhas ex-alunas de Letras, formadas em 2007, 2008, 2009 e 2010, dos(as) alunos(as) de Letras e de Pedagogia, dos(as) alunos(as) da Pós em Metodologia, das minhas orientandas e ex-orientandas da graduação e da pós, das minhas colegas do curso de Letras e de Pedagogia, minha colega da PUC, e dos meus familiares: marido, filho, mãe, pai, madrinha, padrinho, comadre, compadre... Enfim, agradeço a todos que levantaram cedo no sábado, que vieram de longe (ou de perto!) naquele dia chuvoso... Além disso, também sou grata a todos os "parabéns" que recebi por e-mail e pelo Facebook de pessoas que não puderam comparecer...
Também quero agradecer as pessoas que se envolveram diretamente na "muvuca" de organizar esse evento, pois sem elas, não teria tido todo esse privilégio: as minhas colegas Juliana e Liane, que muito me emocionaram com suas palavras; a funcionária Karina - como sempre eficientíssima; Luciane e Amanda - igualmente dinâmicas e carinhosas; ao Dir. Delmar, por abrir o espaço da Faccat para esse lançamento e por suas palavras de incentivo.
A "Vovó Sinistra" agradece e deseja, pela simbologia das flores que a sua criadora aqui recebeu, o seguinte a todos vocês...
Flores do campo, com nossos desejos de eterna juventude e simplicidade para olhar, sempre, com bons olhos a vida... |
Gérberas, lindas e abertas como o sol, simbolizando a alegria desse momento - para que se estenda e se estenda... |
Kalanchoe, desejando sucesso e fortuna a todos... |
Ciclâmen, a alegria em pétalas... |
Rosas vermelhas, a paixão pela escrita, pela vida, pela palavra (como)vida... |
Estrelícia, a admiração e o reconhecimento pelas conquistas - as nossas e as alheias... |
Azaleias, com o desejo de boa sorte... |
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Congresso Nacional do Medo - versão 5 - outro final
A Cuca estava nervosíssima. Era preciso fazer alguma coisa. A data fatídica aproximava-se. Pensou, pensou. Pegou papel e carvão. Enviou o seguinte caldeirãorograma:
Do lado de lá do caldeirão, receberam o caldeirãorograma todos os associados da Associação Brasileira de Monstros Assustadores de Crianças do Brasil: a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Bicho Papão, o Velho do Saco, o Saci... No entanto, a correspondência demorou mais para chegar a alguns parentes – a Boiúna, o Cabeça de Cuia, o Cumacanga, o Mapinguari... Afinal, ir do Capoeirão dos Tucanos até a Amazônia não é café com bolinho nem para caldeirãorogramas...
Na data e no horário marcados, todos estavam lá. Só o Velho do Saco atrasou-se. O saco estava cheiíssimo. A Cuca conclamou:
- Vamos abrir os trabalhos cantando nosso hino.
A essa altura do hino, a confusão sempre se armava em todas as assembleias da AMACB. Todos queriam ser o bicho que está em cima do telhado! A falação só parou quando a Cuca berrou:
- Isso é sério! Estamos na véspera de mais um Halloween e...
- ... E nem nos convidaram, né, prima? – Riu-se a Iara.
O Saci interveio:
- Sem brincadeirinhas, primas! O fato é que as crianças não têm mais medo da gente. Algumas sequer sabem que existimos...
O Mapinguari, com suas três bocas, esquentou-se:
- Ora, Saci, quem é você para reclamar? Um privilegiado! Seu Lobato te retratou. Eu que sou do Centro-Oeste nem apareço...
A Iara completou:
- O fato é que as crianças não têm medo mais de nada. Acham que podem fazer o que querem e não vão ter castigo. Estão ficando mais capetas do que o Saci Pererê...
- E eu não admito concorrência desleal! – Gritou o Saci.
A discussão acirrou-se. Entre planos e mais planos, não notaram que o Velho do Saco arrastava seu enorme saco para o meio do salão. Foi então que ele anunciou:
- A solução está dentro desse saco!
De dentro do saco, saiu um bando de crianças morenas, loiras, ruivas, negras, de olhos puxados, de olhos redondos, pequenas, grandes, baixas, altas, magras e gordas... do jeitinho misturado do nosso Brasil. Estavam todas abraçadinhas, tremendo...
- Vamos agora fazer a festa de Halloween mais radical que essas crianças já viram! – Propôs o Velho do Saco. – E depois, elas contarão a todos o quanto nós somos legais e assustadores.
- Halloween, não! Festa dos Monstros Assustadores do Brasil! – Corrigiu a Cuca.
Num passe de mágica, a Cuca tirou de seu caldeirão os doces mais gostosos que existem: pé-de-moleque, cocada, quindim... Até canjica bem quentinha e perfumada com canela! Tudo muito delicioso, servido em assustadoras cumbucas de cuia e casca de coco. Para decorar, terríveis carrancas vindas da proa de barcos do Rio São Francisco.
A criançada não queria comer. E se todas aquelas gostosuras estivessem envenenadas? O Saci deliciava-se com o banquete e advertiu:
- Se vocês não se apressarem, vou comer tudo sozinho!
A Iara começou a cantar; o Cumacanga, a batucar. Não teve medo que resistisse: a criançada se divertiu a valer! Dançou, pulou, empanturrou-se. No final, quando entravam no saco para serem devolvidas as suas casas, o Caipora fez questão de lembrar:
- E não esqueçam de dizer o quanto somos assustadores!
E a Cuca ameaçou:
- Se não fizerem isso, terão as dores de barriga mais doídas da história das crianças empanturradas!
Foi o que elas fizeram. Afinal, quem é tão maluco a ponto de desobedecer a uma ordem da bruxa mais terrivelmente legal do mundo?
CONVOCAÇÃO
Reunião em Brasília, no Congresso Nacional, em 30 de outubro, meia-noite.
Assunto: Halloween, perigo iminente.
Maleficamente,
Dona Cuca
Rainha Suprema da AMACB
Do lado de lá do caldeirão, receberam o caldeirãorograma todos os associados da Associação Brasileira de Monstros Assustadores de Crianças do Brasil: a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Bicho Papão, o Velho do Saco, o Saci... No entanto, a correspondência demorou mais para chegar a alguns parentes – a Boiúna, o Cabeça de Cuia, o Cumacanga, o Mapinguari... Afinal, ir do Capoeirão dos Tucanos até a Amazônia não é café com bolinho nem para caldeirãorogramas...
Na data e no horário marcados, todos estavam lá. Só o Velho do Saco atrasou-se. O saco estava cheiíssimo. A Cuca conclamou:
- Vamos abrir os trabalhos cantando nosso hino.
Nana, neném
Que a Cuca vai pegar
Papai foi na roça
Mamãe foi visitar.
Que bicho é aquele
Que está em cima do telhado...
A essa altura do hino, a confusão sempre se armava em todas as assembleias da AMACB. Todos queriam ser o bicho que está em cima do telhado! A falação só parou quando a Cuca berrou:
- Isso é sério! Estamos na véspera de mais um Halloween e...
- ... E nem nos convidaram, né, prima? – Riu-se a Iara.
O Saci interveio:
- Sem brincadeirinhas, primas! O fato é que as crianças não têm mais medo da gente. Algumas sequer sabem que existimos...
O Mapinguari, com suas três bocas, esquentou-se:
- Ora, Saci, quem é você para reclamar? Um privilegiado! Seu Lobato te retratou. Eu que sou do Centro-Oeste nem apareço...
A Iara completou:
- O fato é que as crianças não têm medo mais de nada. Acham que podem fazer o que querem e não vão ter castigo. Estão ficando mais capetas do que o Saci Pererê...
- E eu não admito concorrência desleal! – Gritou o Saci.
A discussão acirrou-se. Entre planos e mais planos, não notaram que o Velho do Saco arrastava seu enorme saco para o meio do salão. Foi então que ele anunciou:
- A solução está dentro desse saco!
De dentro do saco, saiu um bando de crianças morenas, loiras, ruivas, negras, de olhos puxados, de olhos redondos, pequenas, grandes, baixas, altas, magras e gordas... do jeitinho misturado do nosso Brasil. Estavam todas abraçadinhas, tremendo...
- Vamos agora fazer a festa de Halloween mais radical que essas crianças já viram! – Propôs o Velho do Saco. – E depois, elas contarão a todos o quanto nós somos legais e assustadores.
- Halloween, não! Festa dos Monstros Assustadores do Brasil! – Corrigiu a Cuca.
Num passe de mágica, a Cuca tirou de seu caldeirão os doces mais gostosos que existem: pé-de-moleque, cocada, quindim... Até canjica bem quentinha e perfumada com canela! Tudo muito delicioso, servido em assustadoras cumbucas de cuia e casca de coco. Para decorar, terríveis carrancas vindas da proa de barcos do Rio São Francisco.
A criançada não queria comer. E se todas aquelas gostosuras estivessem envenenadas? O Saci deliciava-se com o banquete e advertiu:
- Se vocês não se apressarem, vou comer tudo sozinho!
A Iara começou a cantar; o Cumacanga, a batucar. Não teve medo que resistisse: a criançada se divertiu a valer! Dançou, pulou, empanturrou-se. No final, quando entravam no saco para serem devolvidas as suas casas, o Caipora fez questão de lembrar:
- E não esqueçam de dizer o quanto somos assustadores!
E a Cuca ameaçou:
- Se não fizerem isso, terão as dores de barriga mais doídas da história das crianças empanturradas!
Foi o que elas fizeram. Afinal, quem é tão maluco a ponto de desobedecer a uma ordem da bruxa mais terrivelmente legal do mundo?
terça-feira, 14 de junho de 2011
Congresso Nacional do Medo - versão 4 - mais um final diferente
A Cuca estava nervosíssima. Era preciso fazer alguma coisa. A data fatídica aproximava-se. Pensou, pensou. Pegou papel e carvão. Enviou o seguinte caldeirãorograma:
Do lado de lá do caldeirão, receberam o caldeirãorograma todos os associados da Associação Brasileira de Monstros Assustadores de Crianças do Brasil: a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Bicho Papão, o Velho do Saco, o Saci... No entanto, a correspondência demorou mais para chegar a alguns parentes – a Boiúna, o Cabeça de Cuia, o Cumacanga, o Mapinguari... Afinal, ir do Capoeirão dos Tucanos até a Amazônia não é café com bolinho nem para caldeirãorogramas...
Na data e no horário marcados, todos estavam lá. Só o Velho do Saco atrasou-se. O saco estava cheiíssimo. A Cuca conclamou:
- Vamos abrir os trabalhos cantando nosso hino.
A essa altura do hino, a confusão sempre se armava em todas as assembleias da AMACB. Todos queriam ser o bicho que está em cima do telhado! A falação só parou quando a Cuca berrou:
- Isso é sério! Estamos na véspera de mais um Halloween e...
- ... E nem nos convidaram, né, prima? – Riu-se a Iara.
O Saci interveio:
- Sem brincadeirinhas, primas! O fato é que as crianças não têm mais medo da gente. Algumas sequer sabem que existimos...
O Mapinguari, com suas três bocas, esquentou-se:
- Ora, Saci, quem é você para reclamar? Um privilegiado! Seu Lobato te retratou. Eu que sou do Centro-Oeste nem apareço...
A Iara completou:
- O fato é que as crianças não têm medo mais de nada. Acham que podem fazer o que querem e não vão ter castigo. Estão ficando mais capetas do que o Saci Pererê...
- E eu não admito concorrência desleal! – Gritou o Saci.
A discussão acirrou-se. Entre planos e mais planos, não notaram que o Velho do Saco arrastava seu enorme saco para o meio do salão. Foi então que ele anunciou:
- A solução está dentro desse saco!
De dentro do saco, saiu um bando de crianças morenas, loiras, ruivas, negras, de olhos puxados, de olhos redondos, pequenas, grandes, baixas, altas, magras e gordas... do jeitinho misturado do nosso Brasil.
- Vamos agora fazer a festa de Halloween mais radical que essas crianças já viram! – Propôs o Velho do Saco. – E depois, elas contarão a todos o quanto nós somos legais e assustadores.
- Halloween, não! Festa dos Monstros Assustadores do Brasil! – Corrigiu a Cuca.
Num passe de mágica, a Cuca tirou de seu caldeirão os doces mais gostosos do Brasil: pé-de-moleque, cocada, quindim... Até canjica bem quentinha e perfumada com canela! Tudo muito delicioso, servido em assustadoras cumbucas de cuia e casca de coco. Para decorar, terríveis carrancas vindas da proa de barcos do Rio São Francisco.
A criançada se divertiu a valer! Dançou, pulou, empanturrou-se. No final, quando entravam no saco para serem devolvidas as suas casas, o Saci fez questão de lembrar:
- E não esqueçam de dizer o quanto somos assustadores!
E a Cuca ameaçou:
- Se não fizerem isso, terão as dores de barriga mais doídas da história das crianças empanturradas!
Bem que as crianças tentaram. Alguns coleguinhas acreditaram nelas. E tentaram de novo. E ainda tentam... Até hoje, tem uma delas, já grandona, que escreve para outras crianças, tentando dizer o quanto o pessoal da AMACB é legal, de verdade e.... assustador!
CONVOCAÇÃO
Reunião em Brasília, no Congresso Nacional, em 30 de outubro, meia-noite.
Assunto: Halloween, perigo iminente.
Maleficamente,
Dona Cuca
Rainha Suprema da AMACB
Do lado de lá do caldeirão, receberam o caldeirãorograma todos os associados da Associação Brasileira de Monstros Assustadores de Crianças do Brasil: a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Bicho Papão, o Velho do Saco, o Saci... No entanto, a correspondência demorou mais para chegar a alguns parentes – a Boiúna, o Cabeça de Cuia, o Cumacanga, o Mapinguari... Afinal, ir do Capoeirão dos Tucanos até a Amazônia não é café com bolinho nem para caldeirãorogramas...
Na data e no horário marcados, todos estavam lá. Só o Velho do Saco atrasou-se. O saco estava cheiíssimo. A Cuca conclamou:
- Vamos abrir os trabalhos cantando nosso hino.
Nana, neném
Que a Cuca vai pegar
Papai foi na roça
Mamãe foi visitar.
Que bicho é aquele
Que está em cima do telhado...
A essa altura do hino, a confusão sempre se armava em todas as assembleias da AMACB. Todos queriam ser o bicho que está em cima do telhado! A falação só parou quando a Cuca berrou:
- Isso é sério! Estamos na véspera de mais um Halloween e...
- ... E nem nos convidaram, né, prima? – Riu-se a Iara.
O Saci interveio:
- Sem brincadeirinhas, primas! O fato é que as crianças não têm mais medo da gente. Algumas sequer sabem que existimos...
O Mapinguari, com suas três bocas, esquentou-se:
- Ora, Saci, quem é você para reclamar? Um privilegiado! Seu Lobato te retratou. Eu que sou do Centro-Oeste nem apareço...
A Iara completou:
- O fato é que as crianças não têm medo mais de nada. Acham que podem fazer o que querem e não vão ter castigo. Estão ficando mais capetas do que o Saci Pererê...
- E eu não admito concorrência desleal! – Gritou o Saci.
A discussão acirrou-se. Entre planos e mais planos, não notaram que o Velho do Saco arrastava seu enorme saco para o meio do salão. Foi então que ele anunciou:
- A solução está dentro desse saco!
De dentro do saco, saiu um bando de crianças morenas, loiras, ruivas, negras, de olhos puxados, de olhos redondos, pequenas, grandes, baixas, altas, magras e gordas... do jeitinho misturado do nosso Brasil.
- Vamos agora fazer a festa de Halloween mais radical que essas crianças já viram! – Propôs o Velho do Saco. – E depois, elas contarão a todos o quanto nós somos legais e assustadores.
- Halloween, não! Festa dos Monstros Assustadores do Brasil! – Corrigiu a Cuca.
Num passe de mágica, a Cuca tirou de seu caldeirão os doces mais gostosos do Brasil: pé-de-moleque, cocada, quindim... Até canjica bem quentinha e perfumada com canela! Tudo muito delicioso, servido em assustadoras cumbucas de cuia e casca de coco. Para decorar, terríveis carrancas vindas da proa de barcos do Rio São Francisco.
A criançada se divertiu a valer! Dançou, pulou, empanturrou-se. No final, quando entravam no saco para serem devolvidas as suas casas, o Saci fez questão de lembrar:
- E não esqueçam de dizer o quanto somos assustadores!
E a Cuca ameaçou:
- Se não fizerem isso, terão as dores de barriga mais doídas da história das crianças empanturradas!
Bem que as crianças tentaram. Alguns coleguinhas acreditaram nelas. E tentaram de novo. E ainda tentam... Até hoje, tem uma delas, já grandona, que escreve para outras crianças, tentando dizer o quanto o pessoal da AMACB é legal, de verdade e.... assustador!
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Congresso nacional do medo - versão "enxugada"
Reescrevi, pela quinta vez, o texto. Desta vez, cortando alguns dos excessos. Deve ter sobrado ainda algum excesso, mas daqui a alguns dias eu vejo...
A Cuca estava nervosíssima. Era preciso fazer alguma coisa. A data fatídica aproximava-se. Pensou, pensou. Pegou papel e carvão. Enviou o seguinte caldeirãorograma:
Do lado de lá do caldeirão, receberam o caldeirãorograma todos os associados da Associação Brasileira de Monstros Assustadores de Crianças do Brasil: a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Bicho Papão, o Velho do Saco, o Saci... Mas a correspondência demorou para chegar a alguns parentes – a Boiúna, o Cabeça de Cuia, o Cumacanga, o Mapinguari... Afinal, ir do Capoeirão dos Tucanos até a Amazônia não é café com bolinho nem para caldeirãorogramas...
Mesmo assim, na data e no horário marcados, todos estavam lá. A Cuca conclamou:
- Vamos abrir os trabalhos cantando nosso hino.
A essa altura do hino, a confusão sempre se armava em todas as assembleias da AMACB. Todos queriam ser o bicho que está em cima do telhado! A falação só parou quando a Cuca berrou:
- Isso é sério! Estamos na véspera de mais um Halloween e...
- ... E nem nos convidaram, né, prima? – Riu-se a Iara.
O Saci interveio:
- Sem brincadeirinhas, primas! O problema é que as crianças não têm mais medo da gente. Algumas nem sabem que existimos...
O Mapinguari, com suas três bocas, esquentou-se:
- Ora, Saci, quem é você para reclamar? Um privilegiado! Seu Lobato te retratou. Eu que sou do Centro-Oeste nem apareço...
A Iara completou:
- Essas crianças de hoje não têm medo mais de nada. Acham que podem fazer o que querem e não vão ter castigo. Estão ficando mais capetas do que o Saci Pererê...
- E eu não admito concorrência desleal! – Gritou o Saci.
A discussão esquentou. Entre planos e mais planos, não notaram que alguém os espiava, até que um flash mais forte chamou-lhes a atenção.
O Saci, sempre bem esperto, apontou para um cantinho da sala:
- Olha lá, atrás da cortina! Um repórter!
Os olhos da Cuca brilharam: era a grande oportunidade da AMACB.
O repórter foi até a Cuca sem ninguém precisar levar. O Bicho Papão tentava explicar:
- Estamos aqui reunidos para achar uma saída para nossos maiores problemas: a concorrência com os monstros de Hollywood e a falta de crença das crianças.
O repórter abriu um sorriso malicioso:
- Então vamos fotografar esse momento!
No dia seguinte, os monstros esperavam pelos jornais. A Cuca se imaginava na capa, toda glamourosa. Quando o jornal chegou, pelas mãos furadas do Saci... nada de capa. Nem de contracapa. Só uma notinha bem pequena: “Congressistas vestem-se de seres do folclore nacional às vésperas do Halloween.”
Triste, o Tutu constatou:
- Não se faz mais sensacionalismo como antigamente!
Congresso Nacional do Medo
A Cuca estava nervosíssima. Era preciso fazer alguma coisa. A data fatídica aproximava-se. Pensou, pensou. Pegou papel e carvão. Enviou o seguinte caldeirãorograma:
CONVOCAÇÃO
Reunião em Brasília, no Congresso Nacional, em 30 de outubro, meia noite.
Assunto: Halloween, perigo iminente.
Maleficamente,
Dona Cuca
Rainha Suprema da AMACB
Do lado de lá do caldeirão, receberam o caldeirãorograma todos os associados da Associação Brasileira de Monstros Assustadores de Crianças do Brasil: a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Bicho Papão, o Velho do Saco, o Saci... Mas a correspondência demorou para chegar a alguns parentes – a Boiúna, o Cabeça de Cuia, o Cumacanga, o Mapinguari... Afinal, ir do Capoeirão dos Tucanos até a Amazônia não é café com bolinho nem para caldeirãorogramas...
Mesmo assim, na data e no horário marcados, todos estavam lá. A Cuca conclamou:
- Vamos abrir os trabalhos cantando nosso hino.
Nana, neném
Que a Cuca vai pegar
Papai foi na roça
Mamãe foi visitar.
Que bicho é aquele
Que está em cima do telhado...
A essa altura do hino, a confusão sempre se armava em todas as assembleias da AMACB. Todos queriam ser o bicho que está em cima do telhado! A falação só parou quando a Cuca berrou:
- Isso é sério! Estamos na véspera de mais um Halloween e...
- ... E nem nos convidaram, né, prima? – Riu-se a Iara.
O Saci interveio:
- Sem brincadeirinhas, primas! O problema é que as crianças não têm mais medo da gente. Algumas nem sabem que existimos...
O Mapinguari, com suas três bocas, esquentou-se:
- Ora, Saci, quem é você para reclamar? Um privilegiado! Seu Lobato te retratou. Eu que sou do Centro-Oeste nem apareço...
A Iara completou:
- Essas crianças de hoje não têm medo mais de nada. Acham que podem fazer o que querem e não vão ter castigo. Estão ficando mais capetas do que o Saci Pererê...
- E eu não admito concorrência desleal! – Gritou o Saci.
A discussão esquentou. Entre planos e mais planos, não notaram que alguém os espiava, até que um flash mais forte chamou-lhes a atenção.
O Saci, sempre bem esperto, apontou para um cantinho da sala:
- Olha lá, atrás da cortina! Um repórter!
Os olhos da Cuca brilharam: era a grande oportunidade da AMACB.
O repórter foi até a Cuca sem ninguém precisar levar. O Bicho Papão tentava explicar:
- Estamos aqui reunidos para achar uma saída para nossos maiores problemas: a concorrência com os monstros de Hollywood e a falta de crença das crianças.
O repórter abriu um sorriso malicioso:
- Então vamos fotografar esse momento!
No dia seguinte, os monstros esperavam pelos jornais. A Cuca se imaginava na capa, toda glamourosa. Quando o jornal chegou, pelas mãos furadas do Saci... nada de capa. Nem de contracapa. Só uma notinha bem pequena: “Congressistas vestem-se de seres do folclore nacional às vésperas do Halloween.”
Triste, o Tutu constatou:
- Não se faz mais sensacionalismo como antigamente!
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