terça-feira, 13 de setembro de 2011

Humano, demasiado humano

Ana mortificava-se cada vez que as pessoas diziam aquilo. "Sensível  - e demais". Ela sabia que os outros sabiam. Não era uma simples questão de sentir. As muitas coisas perversas estavam lá, gritantes, pulsantes. Todos viam. Apenas se encarregavam de ver a medida do que lhes interessava. Para suportar a dor. Para sobreviver à máquina de moer gente. Para manter os conchavos.
Ana negava-se a não ver. Não poderia perder-se de si mesma. Não suportaria ver-se escorrendo entre os dedos. Nem a si nem às que foram antes dela. Vivia no limite do suportável. Esticava-se, mas a sua integridade não era tão elástica como outras por aí.
Comprou briga. Peitou os monstros amarelos. O eles que engoliram, devoraram, fartaram-se não era ela. Eram seus restos mundanos.
Iluminou-se.
 Devorada, balança os ombros: fazer o quê, se há quem prefira não admitir aquilo que apenas se insinua, mas está lá, (pre)potente, incólume, nutrido de covardia e de hipocrisia?
Os monstros amarelos continuam lá. Já não fazem diferença.
Ana venceu . Ainda que muitos achem que perdeu. Tanto faz, para ela. Tem o sorriso confiante de quem se negou à alimentação de algo que não era vegetal nem animal. Apenas humano, demasiado humano.

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