quarta-feira, 15 de junho de 2011

Congresso Nacional do Medo - versão 5 - outro final

A Cuca estava nervosíssima. Era preciso fazer alguma coisa. A data fatídica aproximava-se. Pensou, pensou. Pegou papel e carvão. Enviou o seguinte caldeirãorograma:



CONVOCAÇÃO



Reunião em Brasília, no Congresso Nacional, em 30 de outubro, meia-noite.

Assunto: Halloween, perigo iminente.

Maleficamente,

Dona Cuca

Rainha Suprema da AMACB



Do lado de lá do caldeirão, receberam o caldeirãorograma todos os associados da Associação Brasileira de Monstros Assustadores de Crianças do Brasil: a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Bicho Papão, o Velho do Saco, o Saci... No entanto, a correspondência demorou mais para chegar a alguns parentes – a Boiúna, o Cabeça de Cuia, o Cumacanga, o Mapinguari... Afinal, ir do Capoeirão dos Tucanos até a Amazônia não é café com bolinho nem para caldeirãorogramas...

Na data e no horário marcados, todos estavam lá. Só o Velho do Saco atrasou-se. O saco estava cheiíssimo. A Cuca conclamou:

- Vamos abrir os trabalhos cantando nosso hino.

Nana, neném

Que a Cuca vai pegar

Papai foi na roça

Mamãe foi visitar.

Que bicho é aquele

Que está em cima do telhado...

A essa altura do hino, a confusão sempre se armava em todas as assembleias da AMACB. Todos queriam ser o bicho que está em cima do telhado! A falação só parou quando a Cuca berrou:

- Isso é sério! Estamos na véspera de mais um Halloween e...

- ... E nem nos convidaram, né, prima? – Riu-se a Iara.

O Saci interveio:

- Sem brincadeirinhas, primas! O fato é que as crianças não têm mais medo da gente. Algumas sequer sabem que existimos...

O Mapinguari, com suas três bocas, esquentou-se:

- Ora, Saci, quem é você para reclamar? Um privilegiado! Seu Lobato te retratou. Eu que sou do Centro-Oeste nem apareço...

A Iara completou:

- O fato é que as crianças não têm medo mais de nada. Acham que podem fazer o que querem e não vão ter castigo. Estão ficando mais capetas do que o Saci Pererê...

- E eu não admito concorrência desleal! – Gritou o Saci.

A discussão acirrou-se. Entre planos e mais planos, não notaram que o Velho do Saco arrastava seu enorme saco para o meio do salão. Foi então que ele anunciou:

- A solução está dentro desse saco!

De dentro do saco, saiu um bando de crianças morenas, loiras, ruivas, negras, de olhos puxados, de olhos redondos, pequenas, grandes, baixas, altas, magras e gordas... do jeitinho misturado do nosso Brasil. Estavam todas abraçadinhas, tremendo...

- Vamos agora fazer a festa de Halloween mais radical que essas crianças já viram! – Propôs o Velho do Saco. – E depois, elas contarão a todos o quanto nós somos legais e assustadores.

- Halloween, não! Festa dos Monstros Assustadores do Brasil! – Corrigiu a Cuca.

Num passe de mágica, a Cuca tirou de seu caldeirão os doces mais gostosos que existem: pé-de-moleque, cocada, quindim... Até canjica bem quentinha e perfumada com canela! Tudo muito delicioso, servido em assustadoras cumbucas de cuia e casca de coco. Para decorar, terríveis carrancas vindas da proa de barcos do Rio São Francisco.

A criançada não queria comer. E se todas aquelas gostosuras estivessem envenenadas? O Saci deliciava-se com o banquete e advertiu:

- Se vocês não se apressarem, vou comer tudo sozinho!

A Iara começou a cantar; o Cumacanga, a batucar. Não teve medo que resistisse: a criançada se divertiu a valer! Dançou, pulou, empanturrou-se. No final, quando entravam no saco para serem devolvidas as suas casas, o Caipora fez questão de lembrar:

- E não esqueçam de dizer o quanto somos assustadores!

E a Cuca ameaçou:

- Se não fizerem isso, terão as dores de barriga mais doídas da história das crianças empanturradas!

Foi o que elas fizeram. Afinal, quem é tão maluco a ponto de desobedecer a uma ordem da bruxa mais terrivelmente legal do mundo?

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