- Há quanto tempo não é abril?
- Nem sei que dia é hoje.
- O que está fazendo?
-Parece que é o de sempre.
- Desempreterenanente.
- Isso mesmo. Digita’í...
...
- Por que abril?
- O quê?
- Abril. Por quê?
- Sei lá. Gosto desse nome.
- Cada louco...
- Abril não é frio nem quente.
- Ah, tá. E faz diferença? Sempre no ar-condicionado...
- Mas se eu quiser passear...
- Conta outra... Olha a tela, tá errada a senha.
- Arrumo num instantim. É, mas eu posso querer.
- Juuuura!
- Posso ou não pode?
- Sabe que não. Ninguém tem querer.
- Eu não sou escravo.
- Hoje você está hilário, meu! Para de teclar para ver...
- Quando termina o expediente posso ir para onde eu quiser. Posso passear, portanto.
- E daí pega uma gripe, não vem trabalhar, está na rua.
- Atestado médico...
- Não impede demissão. Lembra da loira do computador 09?
- Mas ela era fraca, não aguentou a tendinite. Eu aguento gripe. E cansaço.
- Ssshiiii! Supervisor tá na área...
...
- Você ainda não respondeu.
- Responder o quê?
- Há quanto tempo não é abril?
- Sei lá... Nem sei que mês é agora. Joga no Google.
- O supervisor me mata se me pegar trocando a tela.
- Viu?
- O quê?
- Escravidão.
- É medo.
- Dá no mesmo.
- Então por que não cai fora?
- Porque sou escravo.
- Tá sonhando.
- Sonhando? Não sou eu que fico perguntando “há quanto tempo não é abril?”, “há quanto tempo não é abril?”, “há quanto tempo não é abril?”...
- Ssshhhh...
- Pois sim... “Há quanto tempo não é abril?”, “há quanto tempo não é abril?”...
Passos fortes. Os dois sentem um peso nas costas. A sombra fala:
- Os dois para minha sala agora.
A sala. Aquela que fica no alto das escadas. Toda envidraçada, de modo a quem está lá dentro ver o que se passa lá embaixo, mas os que estão lá embaixo apenas supõem o que se passa lá em cima. Os dois sobem e sabem por quê. Quem mandou conversar? O aparelho fonador, como de resto todo o corpo e o que houver de habilidades mentais, das 8h às 12h e das 13h às 17h, deve ser de uso único do empregador. Eles sabiam.
Quando a porta se abre, surpresa: há janelas na sala do alto da escada. E plantas nos cantos. E porta-retratos sobre as mesas. Pessoas trabalhando lá, muitas pessoas. E aquelas roupas? Ninguém de uniforme. Uma moça lhes sorri, oferece-lhe lugar para sentar, um café e abre as cortinas. O céu é cinza, mas é o céu. A voz da sombra, já não tão sombria, chama-lhes:
- Quem ainda quer saber há quanto tempo não é abril?
- Ninguém, não, senhor... – respondeu um deles.
- Eu ainda quero. Eu sempre quis. O meu amigo aqui nada tem a ver com isso.
- Já sabia disso. Seu amigo está dispensado.
O amigo some no vão da porta que leva às escadas. A sombra continua:
- Quanto ao senhor, aqui estão os papéis de sua demissão. Fique tranquilo que lhe pagaremos todos os seus direitos e o encaminharemos para uma assistência de recolocação. Assine, por favor, nessa linha pontilhada.
Ele assina. Olha a data logo acima de seu nome. 29 de abril.
Sai correndo na manhã cinza e fria. Não importa o futuro. Tem algo de abril só para ele.
Luh!
ResponderExcluirQue texto significativo nesta oscilante manhã de domingo.Todos temos um abril em nossas vidas e,às vezes, não sabemos qual é ele.
Beijão
Juh
É sora Luh, todos tem o seu abril, achei ótimo esse texto!!
ResponderExcluirum beijo, Ruan
Louquinho sim, mas muito legal. Ideia maravilhosa. E quem dera se fosse abril mesmo! ;)
ResponderExcluirBeijocas, Jú
Por que eu me sinto como se estivesse em um dos compartimentos dos computadores? Digita aí, vai, Luh: Gostei muito!!!
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