Vestido de noiva
Ela tomou um banho rápido. De banheira para não molhar a cabeça com os rolos. Valeria o incômodo. Valeria? Por que não sentia que aquele era seu grande dia, como descrevem as revistas femininas? Por que não estava com os nervos em frangalhos? Por que restavam tantos porquês? A campainha denunciava a chegada do cabeleireiro. Começaria o ritual.
O cabeleireiro e seu séquito esperavam-na no quarto. Abraçaram-na. Fizeram-lhe festa, frases feitas. Ela sentiu-se nauseada. Não, não estava grávida. A maquiadora trouxe um copo d’água. A manicure contemplava o vestido de noiva estendido sobre a cama. Digno de uma rainha. Cristais svarowski em profusão. Detalhes aqui e ali eram enaltecidos. Ela queria dizer que aquele não era o vestido com que sonhara. Aliás, nunca sonhara com vestido de noiva algum. O branco não lhe caía bem.Nada lhe caía bem. A festa em seu quarto estava ruidosa demais. Preferiu calar-se.
A mãe entrou no quarto. Duvidou que os cachos dos cabelos durariam até a igreja. Com um tempo daqueles! Só faltava chover mais ainda na hora de descer do carro. E esse vestido de cauda? Vai sujar. Ela bem que avisara a filha para pegar outro modelo. Mãe nunca é ouvida, sabe como são essas jovens de hoje. Só faltava o vestido não fechar. Se essa desgraça acontecesse, não seria por falta de aviso: sempre fora uma mãe zelosa.
A maquiagem ficou pronta. A mãe achou muito fraca. A filha, muito forte. O cabeleireiro e a manicure intervieram: estava linda. A noiva decidiu que ficaria assim mesmo. Não faria diferença. Lembrou de suas leituras atrasadas para as aulas do mestrado. Uma tontura. As palavras eram um zumzum sem sentido.
Chegou uma prima, arrastando suas duas filhas, as damas de honra. Trouxeram também o buquê de lírios. O cheiro nauseante das flores. O excesso de fixador de cabelos. O gosto enjoado do batom. A algazarra das meninas. A conversa inútil do séquito. Ela teve vontade de correr. Uma trovoada mais forte assustou-a. O coração disparou. Viu pontinhos pretos. Era hora de vestir-se.
As mangas entraram apertadas. A mãe sorriu. O vestido fechou. Ela viu uma sombra de decepção no olhar da mãe. O cabeleireiro declarou a noiva pronta. A mãe fez menção de dar uma voltinha em torno da filha:
- Hoje não! – disse a filha segurando a mãe pelo braço. – Hoje tu não vais me diminuir.
Fez silêncio. As unhas da filha marcaram o braço da mãe. A prima interveio: coisas de noiva, é natural o nervosismo. Mãe e filha se olharam, desafiadoras. Elas sabiam. Não era nervosismo. A mãe desviou o olhar e disse:
- Cuida, filha, para não tropeçar. Vê se não gagueja. Tu sabes que eu me preocupo tanto, minha única filha.
O pai entrou no quarto. Tomou o braço da filha. Era bom irem logo, o padre não queria mais do que dez minutos de atraso. Conduziu-a à limusine alugada. Ela viu a euforia das daminhas. Estavam felizes em seus vestidos rodados. Lembrou-se de quando fora daminha, no casamento de uma tia. Vestido branco com uma faixa rosa à cintura. Tiara de brilhantes parecida com a da noiva. Levava uma almofada de cetim com as alianças. Sentiu-se importante. Foi à frente do cortejo, toda feliz. O corredor da igreja era sua passarela. Quando ia abanar para a mãe, ouviu-a dizer à senhora que estava ao seu lado: “A gordinha, a mais feinha das três daminhas, é minha filha. De criação, não temos gordos na família.” Soube, naquele momento, o que sempre intuíra.
A alegria das meninas a trouxe de volta. Queria a mesma sensação delas. Sentiu-se mal com a inveja. Como conseguiam? Lembrou da monografia pela metade e de uma referência teórica. Fez uma associação mental para não esquecer. A mãe interrompeu sua concentração:
- Tens certeza do que estás fazendo? Ainda está em tempo de desistir...
- Cala a boca, mulher. – Ordenou o pai. – Vais deixar a guria nervosa até hoje, urubu? Te emenda!
Ela não ouviu mais a discussão. Olhava, embevecida, para as daminhas. Queria aquela alegria. Desejava o riso solto. Invejava os sorrisos e os gritinhos de frenesi. Chegaram à igreja. Não chovia. O vestido não sujou. Tremeu. Braço dado ao pai, pensou em desistir. Ave Maria. Olhou para as meninas. Cheias de graça. Espalhavam pétalas de rosas no chão. Benditas eram. Queria-as para si. Queria ser uma delas. Não sairia correndo. Não poderia. Não as decepcionaria. Não macularia aquela felicidade.
Ela não tropeçou, não gaguejou. Tampouco desmaiou. Desafiou o olhar desaprovador da mãe. Contemplava as crianças plenas de graça. O noivo. Ela queria duas meninas. Ele lhe as daria.
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