quinta-feira, 5 de maio de 2011

Flores de maio


Foi a camélia que não caiu do galho...


 ... não deu suspiros ...


... tampouco morreu.


     Tirei essas fotos agorinha, no meu jardim. As flores ainda estão molhadas de sereno.
     Podem me chamar de brega, de demodê, de cafona. O fato é que camélias estão plantadas nas minhas mais profundas memórias afetivas. Das mulheres que foram antes de mim... Das minhas queridas avós, Ida e Norma...
    Como meu aniversário é em junho, época de plena e exuberante floração das camélias, sempre tive as festas dos meus aniversários, na infância, decoradas com grandes vasos de camélias - vai longe a época em que  toda a sorte de descartáveis detestáveis não poluíam os olhos. Sempre dois. Um da colheita de cada avó. Elas tinham uma competição tácita: quem traria o buquê maior e mais bonito. Era o jeito delas de amar. Eu o sabia, só me encarregando de parecer não saber.  Entre goles de chá preto fervido com maçã, canela, cravo e erva cidreira, as duas comentavam, em alemão, algo que eu vagamente entendia - era sobre as matizes das flores. Admiravam-se dos arabescos em tons de rosa e vermelho sobre os fundos brancos e gomosos. Mas almejavam sempre flores mais brancas. Nunca conseguiram uma camélia totalmente branca. Lembro qualquer coisa de a Vó Norma ter conseguido, não sei de onde,  um galho de camélia branca. Mas não deu certo.
   Plantei minhas camélias em fevereiro deste ano. Comprei sem lhes saber a cor. Imaginei que fossem matizadas de rosa ou, com sorte, de vermelho. Ainda disse para a atendente da floricultura "Bem capaz que alguma será branca...". Mas com uma esperançazinha passeando no coração.  Para minha surpresa, eis que a primeira camélia se abriu. E era branca. Sem o saber, trouxe para casa algo que era um dos doces sonhos de minhas avós. Sem querer. Quando escolhi as mudas, só olhei o tamanho, o enraizamento... Não havia como adivinhar. Ou havia? O que sei é que elas ficariam admiradíssimas com o feito. Certamente posariam para retrato ao lado do pé.
  Essas ironias do destino trazem uma certa mágica ao cotidiano, que teima em ser sem graça - mas para tudo se dá um jeito. Ao mesmo tempo, meu coração está apertado de saudade. Ontem, fez 14 anos que minha avó Norma faleceu. A Vó Ida faleceu quando eu tinha 14 anos, bem no dia do aniversário da outra avó, 29 de novembro. Das duas, queria ter a força e a coragem. E o bom humor inabalável. E o grande coração. Mas, delas, além das minhas melhores lembranças, só levo a teimosia - eram amorosamente teimosas as duas. Ou resolutas. Aquela característica bem estereotipadamente germânica de ir atrás até conseguir. Isso eu herdei. Mas dizem que eu sou mais parecida com a minha bisavó, mãe do meu avô materno, da família Meine, que morreu quando minha mãe tinha apenas 8 anos. Gosto quando dizem isso porque, por tabela, estão dizendo que eu cozinho bem, que sou criativa... Mas ela me é muito abstrata: apenas uma lápide no cemitério. Ou não...
   Lembrei do caso da minha comadre com as camélias brancas. O pai dela havia plantado uma muda. Cuidou, cuidou, mas a planta não florescia a contento, por anos. O pai se foi. O mundo deu voltas. Ela marcou casamento. Na véspera da cerimônia, indo à casa da sua infância, deparou-se com o pé ampla e lindamente florido. Galhos de camélias brancas enfeitaram a mesa do altar, na singeleza da presença do pai. Essas histórias entrelaçam amigas como nós, moldadas no mesmo barro.
   Pena que as camélias só florescem uma vez por ano. E pessoas como elas  nós só encontramos vez em quando na vida.  A expectativa do botão, o deslumbramento do desabrochar são pontuados pela certeza inexorável do murchar. Mas o espetáculo da existência, do perfume e dos matizes fica nas mais caras e afetuosas lembranças.

Um comentário:

  1. Luh, que bela homenagem as essas duas mulheres que vieram antes de ti, mas te deixaram, quem sabe, o melhor delas. E o fato da tua camélia ser da cor tão almejada por elas, para mim, não é casualidade: eu chamo isso de mensagem.
    Beijão,
    Juh

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