segunda-feira, 2 de maio de 2011

A mãe do jogador

     Havia um enorme relógio na parede. O ponteiro dos segundos, emperrado. Sim, emperrado. Sem outra explicação. As revistas velhas, a TV ligada no Vale-a-pena-ver-de-novo não o consertavam. O filho ali, do seu lado, olhava hipnotizado para a novela antiga. Mas a mãe já sabia do final sem graça. Se ele soubesse... continuaria olhando do mesmo jeito. E a culpa, claro, era dela.
   Aqueles homens engravatados e bem barbeados e aquelas mulheres equilibradas no salto agulha, de cabelos tingidos e escovados por pouco não tropeçavam nos pés 44 do rapaz. Ele não notava o trânsito das pessoas ocupadas e sérias, tampouco recolhia as longas pernas esticadas. Fascinado pelo écran, soltava sua anacrônica risada. Sem pudores. Brilhavam-lhe os dentes, perfeitos apesar da antecipação da retirada necessária do aparelho ortodôntico. Era lindo e forte o filho. Arrependia-se dos suplementos vitamínicos, do Mucilon, do Toddy, do Nescau... Se não fosse isso, teria o filho a mesma força física? E arrependia-se de arrepender-se.
    A mãe fizera um bom trabalho. Afinal, que mãe não gosta de ouvir das tias chatas que o filho "crescera como uma abóbora"? Abóboras crescem rápido, escapando-nos das mãos? A mãe não sabia. Eram poucas as suas certezas - a do nó na garganta, das unhas roídas, da vontade de sumir dali. Não, o seu filho não era um negócio, como queria o advogado por quem esperavam - direito esportivo, dizia a placa na porta que teimava em não abrir. Cada coisa que essa gente inventa por dinheiro...
    O filho era bom. Não só de bola. A mãe fizera um bom trabalho, claro. Mas se não o tivesse matriculado naquela bendita - maldita?- escolinha de futebol?
     Agora, a iminência de um oceano a separá-los. O filho era pouco mais do que um guri. Mal falava português - "casa de ferreiro, espeto de pau", era como a mãe se desculpava. Como aprenderia italiano, inglês ou espanhol? Passaria fome? Quem lhe faria a sopa de aveia com tutano?
    No entanto, tratava-se do sonho do filho. Não deixaria que seus medos de mãe velha impedissem a felicidade de seu rebento. Mas o mundo lá fora é mau; o filho, bom. A mãe fizera um ótimo trabalho: nem sempre o espeto de ferreiro é de pau. Mas um oceano, 12 horas de voo e meses de trabalho para pagar uma passagem... como correria para acudi-lo. Ele, hora ou outra, necessitaria dela. E se o arrancasse dali agora, já?
   Contudo, ainda o sonho. A felicidade. Serviria o filho para outro ofício? Onde ou quando teria outra oportunidade de fugir da mediocridade financeira? À mediocridade intelectual ele já estava fadado, fazer o quê? Nunca teria um filho Doutor, seja lá em qual área fosse. Claro, porque Doutor é quem tem doutorado como ela. A mãe fizera um excelente trabalho. Sempre dera escolhas ao filho. Isso é certo. Mas se agora lhe puxasse as rédeas?
    A porta do escritório abriu, pulando de lá propostas, números e percentuais. Os grandes times queriam o filho para eles. Itália, Espanha, França, Inglaterra. O oceano, o avião, a passagem e o mais frio dos medos. A mãe era inteligente. Pensava rápido. Arrumaria uma solução. Qualquer time aí pertinho, pouco mais do que um varzeano já estava bom. Dinheiro pra quê? Até time fuleiro serviria. O advogado, falava, conjecturava, as pupilas a titilintar cifrões. Qualquer time, até que já tenha sido de segunda divisão. Pertinho de casa. A voz esganiçada do advogado, babada, de palavras rápidas, frases-feitas tonteavam-na. A sala rodava, a cadeira do filho parecia cada vez mais distante... Até que ela vomitou:
    - E não pode ser no Grêmio mesmo?

4 comentários:

  1. Ai, ai,ai!!E por que no Inter? Empatamos no título! Quem ganhou a taça Piratini?
    Abração gremista,
    Juh

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  2. Ah, não vale! Essa mãe só pode ser colorada.
    Mas nem tudo está perdido, ainda temos dois confrontos pela frente!!!
    Beijão,
    Paula

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  3. Por que será no grêmio? Coitado!!!! Adorei o texto!
    Abraços,
    Tati Frida

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  4. oiii! adoramos seu blog, super interessante!
    abraço' alunas da sora maria ines (julie, gasparina, drika e fernanda).

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