Os primos João Pedro e Gabriela
estavam eufóricos: passariam a noite na casa da avó. Isso, por si só, já seria
bom, mas tinha mais: aquela Vovó era a mais radical e sinistra que uma criança
poderia ter.
As mães de ambas as crianças
chegaram ao mesmo tempo à casa da Vovó. Só as largaram lá e saíram apressadas.
João Pedro e Gabriela adentraram juntos aquele lindo e original sobrado roxo
com bolinhas amarelas. Logo chamaram:
- Vovó, seus netinhos chegaram! –
anunciou Gabriela.
- Vovó, estou com fome de pizza!
– avisou João Pedro.
As crianças continuaram chamando
pela Vovó, mas nada de ela aparecer. Por onde andaria? Foram andando pela casa. Na chão da cozinha,
encontraram o seguinte aviso escrito com sal:
SE QUISEREM VER A VOVÓ DE
NOVO, TERÃO QUE DESCOBRIR QUEM ELA É.
A PRIMEIRA PISTA ESTÁ NA
BOCA DAQUELE QUE NÃO LAVA O PÉ.
Gabriela resmungou um “era só o
que faltava”. João Pedro animou-se: era uma caçada. Mas logo depois pensou
alto:
- E se a vovó estiver correndo
perigo, prima?
- Tá bom, mas depois eu quero uma
fatia a mais da pizza de quatro queijos – disse a menina, disfarçando a
preocupação. – Por onde começamos?
- Quem é que não lava o pé? O
sapo, naquela música boba. Mas onde tem sapo aqui?
Gabriela apontou para cima: em
uma prateleira alta, havia uma coleção de sapos. Sapos de barro, de porcelana,
de ferro, de vidro, de cristal...
Com ajuda de uma escada, João
Pedro examinou a coleção. Na boca de um sapo, havia um papelzinho enrolado.
Dentro dele, estava escrito o seguinte:
QUEM É A AVÓ VOCÊS PRECISAM SABER
E DE SEUS GOSTOS DEVEM ENTENDER
OUÇAM A MÚSICA LINDA DE DOER
UMA BRASA, MORA, DE ENLOUQUECER.
- Vamos fuçar naqueles discos da
vovó – sugeriu João Pedro.
- Aqueles que ela chama de
Vinícius? – perguntou Gabriela.
João Pedro teve um acesso de
riso: não era Vinícius. Era vinil. A vó também chamava de bolachões. O que a
dupla não entendeu era onde entrava a brasa e onde ela morava.
Junto aos discos – do Roberto
Carlos, da Vanderleia, do Renato e seus Blue Caps, entre outros –, havia uma
caixa de madeira, fechada com um cadeado de combinação de números. Nele, havia
uma etiqueta colada, na qual se lia: A SENHA É O ANO DE NASCIMENTO DA VOVÓ.
E agora? Como descobrir? João
Pedro teve uma ideia:
- Prima, com que idade as meninas
casam e têm bebês?
- Na idade que quiserem, ué. Que
pergunta mais boba.
- Tá, mas mais ou menos...
Discutiram, discutiram. Chegaram
à conclusão de que, se as mães os tiveram com cerca de 30 anos, e agora a mais
velha delas tinha 40... 30 mais 40 é igual a 70. Se a avó tinha 70, a conta era
2016 menos 70, o que dava... 1946. Colocaram o número. Não deu certo. Tentaram
1945. O cadeado abriu.
Dentro da caixa, havia uma coisa
muito esquisita, de plástico, retangular, com dois furos pelos quais passava
uma espécie de fita marrom. Era mais ou menos assim:
Ilustração de fita K7 com a escrita: “ouça-me se for capaz”.
Como
ouvir aquilo? Gabriela balançou o objeto, colocou perto do ouvido. Deveria
haver um aparelho para encaixar aqueles dois buracos. Mas onde?
- Que
tal aquele? —perguntou João Pedro, apontando para um aparelho retangular com
uma tampa móvel. — Tem uma tecla escrito “play”.
Abriram
a tampa, fizeram os devidos encaixes e apertaram o play. Do aparelho saiu a voz
nada melodiosa da avó, que cantava:
Netinhos queridos, do meu coração,
A próxima pista está no porão
É de iluminar
Cuidado para não incendiar
Não é lâmpada, não é da cidade,
É de querosene, não de eletricidade.
E o medo de ir àquele porão?
O que se faria com ele? De conta que não existia, ué! As crianças desceram ao porão,
mas, claro, ligaram as luzes. Eram tantas coisas diferentes lá: até identificaram uma
máquina de escrever, igual à que viram no museu naquela visita com a escola.
Mas o que seria aquele objeto de iluminar? Gabriela não tinha certeza, mas só
poderia ser aquele de vidro, já que tinha um papel roxo dentro dele. Bingo:
acharam mais uma pista, que, em letras prateadas, dizia:
Slacks, brim coringas, japonas:
Só os nomes é que são cafonas.
Bata, redingote, carpim:
Todo mundo chamava assim.
É lá que devem procurar por mim.
Procurar onde? O que queriam
dizer aquelas palavras? Os primos pensaram, pensaram. Lembraram que “cafona”
quer dizer brega: já viram isso em uma aula. O que a vovó tinha de mais brega
eram roupas. E bem na frente deles havia um enorme baú. Só poderia ser de
roupas velhas. Tentaram arrastá-lo para perto da claridade das lâmpadas, contudo
pesava demais. Abriram ali mesmo: será que havia outra pista? Tiraram blusas,
vestidos – tudo muito colorido e floreado. A cara da vovó! Mas algo se
mexeu e gemeu:
- Uhuuuuuuuuuu!
Os primos sentiram um clarão no
rosto, que os cegou por um instante. Recobrada a visão, viram a Vovó saindo do
baú, rindo e conferindo no seu celular, de última geração, a foto da cara
assustada dos netos, anunciando:
- Essa vai para o álbum de
família!
Adorei (claro)! Principalmente o "ouça-me se for capaz!". Estava divagando sobre quantas mudanças ocorreram nessas últimas décadas e que hoje as crianças não entendem nem conseguem compreender sua utilidade.
ResponderExcluirTexto excelente!