Para a Alice, que ainda vai chegar...
Para a Rafaela, que está aí, já deixando o mundo bem melhor...
Para a Antônia, que eu quero tanto conhecer...
CORDULINO, O ESPANTALHO
Cordulino
era um espantalho. Foi feito de palha, chapéu e roupas velhas para espantar os
pássaros.
Mas
ele não fazia nada disso.
Acontece
que Cordulino era diferente. Ele tinha um coração.
E
um cérebro.
E
um grande amor pela terra e tudo que dela brota.
E
um trato com os pássaros.
Era
o seguinte: metade das sementes era para os humanos, metade para os pássaros.
Simples assim. Justo assim.
Mas
o dono da fazenda, Seu Valentim, não pensava desse modo:
-
De que me adianta um espantalho que não espanta?
E
resmungava sempre:
-
Cordulino? Bobolino. Trouxolino, isso sim.
Um
dia, seu Valentim tirou Cordulino da roça. Jogou o espantalho no galpão, junto
com um monte de traquitanas velhas.
No
escuro.
No
frio.
No
chão úmido.
Caído
ali, Cordulino lembrava do sol, das nuvens, da chuva. Tinha saudade do vento na
sua cara de palha, do cocô dos passarinhos na sua cabeça de chapéu.
Até
que um dia...
...
passinhos e risinhos finos iluminaram todo o galpão.
Eram
Alice e Rafaela, as filhas do Seu Valentim:
-
Olha o Cordulino! – exclamou Alice.
-
Coitadinho – penalizou-se Rafaela.
As
meninas resgataram-no do exílio. Inventaram rodas, rodopios, cantorias – toda a
sorte de tonturas e doideiras. Cordulino tinha arrepios de alegria em sua palha
embolorada.
Seu Valetim flagrou a festa e trovejou:
-
O que vocês querem com esse traste, meninas?
-
Ah, pai, dá o Cordulino pra nós – pedichou Alice.
-
A gente até sabe onde colocar – argumentou Rafaela.
O
pai, apressado, fez um gesto qualquer com a mão e saiu na sua lida de sempre.
A
mãe juntou-se as filhas. As três inventaram umas felicidades para Cordulino.
Agora,
ele enfeita um canteiro enorme de sempre-vivas. Sempre vivas como o coração de
Cordulino, acordado com o cheiro da terra, com os pássaros, com o sol, com as
canções das meninas, que brotam do tempo, no espaço do bem querer.
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