sexta-feira, 14 de maio de 2010

De onde vêm os bebês

O irmão dos legumes



George estava na cozinha, rondando a sua mãe. Como um gato, enroscou-se na saia. Ofereceu-se: posso secar a louça? A mãe achou aquilo uma graça. Coisa querida mesmo. Pegou um banquinho para o menino alcançar. Mas que secasse só as colheres: era pequeno e desastrado demais para secar os pratos e as facas.

O menino suspirou, suspirou. E suspirou de novo. Disparou:

- De onde eu vim, mamãe?

A mãe fechou a torneira. Parou.

- Da minha barriga, ora. – disse, aliviada.

- Até aí eu sei. Eu quero é saber como fui parar aí dentro.

A mãe secou as mãos.

- Teu pai plantou uma sementinha na minha barriga. Daí foi crescendo... Tá, agora, deu, vai assistir desenho.

O guri foi. Olhou para a mãe, de longe. Estava pensativo. O Papai gosta mesmo de plantar. Nem essa barriguinha pequenininha da Mamãe escapou. Eu vim da barriga. Isso explica porque sou tão barriguento, porque essa minha barriga sempre tem fome, especialmente de chocolate e de bolo. Papai me plantou como planta alface, rabanete e espinafre lá no quintal. Saiu correndo para o quintal.

- Oi, irmão chuchu! Olá, irmãzinha bergamoteira! Que prazer ter uma família assim tão grande.

Será que Papai vai dar presentes de Natal para todos esses filhinhos dele? O que vai sobrar para mim? Papai precisa  parar de plantar, ou meu presente de Natal vai ser muito magrinho.

Quando chegou a hora do jantar, mamãe havia feito panquecas de cenoura e de espinafre. O guri fez cara feia:

- As cenouras são da nossa horta, mamãe? E o espinafre?

A mãe não entendeu:

- Só o espinafre. As cenouras que teu pai plantou não vingaram... Por quê?

- Então, quero só de cenoura.

A mãe resolveu não insistir. Na certa, era alguma invencionice do filho.



É perigoso rimar



No dia seguinte, George ainda estava com aquelas ideias de plantação. Olhou para o João... Tão inteligente, veio da cabeça de sua mãe, só pode ser! E o Pedro? Do jeito que ele corre, foi plantado na perna da mãe dele. Só pode.  A Natália, com aquela letra linda, e pequeninha como é, o pai deve ter plantado na mão da mamãe.

- George, venha sentar na rodinha! – chamou a professora.

- Ele nunca obedece, profe. – gritou a Nicole.

A Nicole foi plantada na sola do pé, tão chata que é. Pensou. Percebeu que seu pensamento dava uma música. Ficou tamborilando, na cachola, para cantar na hora do pátio, lá longe, atrás da casinha, onde a Nicole nunca ia porque era um lugar feio.

Quando foram para o pátio, George chamou o João e o Pedro: os amigos precisavam ouvir a musiquinha que ele inventara sobre a puxa-saco da Nicole.

Correram para trás da casinha. George cantou:

Nicole foi plantada no pé


Que era cheio de chulé


Por isso chata ela é...

Nicole espiava. João avisou com um assovio. E o Pedro completou:

Mas é melhor fechar a boca


Se não vai dar banzé.

Nicole saiu correndo. João rolou de rir. Todos cantavam e riam.
Até que...
George ficou branco quando viu a menina arrastando a Profe pela mão:

-Arrá! Aqui estão eles, profe. Eles estavam caçoando de mim. Eu sei que estavam.

O Pedro corou. O João e o George também. Ninguém ali sabia mentir. A profe quis saber que história era aquela. O Pedro quis explicar. Foram parar na temida sala da Irmã Norma, a grande pinguim.

- Tão pequeninos e tão medonhos. Nível 5 e já aqui. Ainda bem que estarei aposentada quando chegarem à sétima série. – Disse a freira, fechando a porta. – Desembuchem. Do que chamaram a menina?

George, o menos apavorado, gaguejou:

- A gente...ãhn... só queria fazer uma musiquinha, Dona Irmã Pinguim.

A irmã bateu na mesa:

- Dona o quê?

- Dona Irmã Norma, sim.

A freira deixou por isso mesmo. Trovoou:

- Não tem nada de musiquinha, nem de poema, não quero nada disso na minha escola. Exijo que me cantem essa barbaridade agora.

George murmurou:

Nicole foi plantada no coração


Agora é namorada do João.

João quis dizer que não tinha nada a ver com aquilo. Não podia entregar o amigo. Começou a chorar. George, vendo o estrago, completou:

Nicole é uma menina que não tem medo


Por isso vai ser namorada do Pedro.

George, João e Pedro foram os primeiros meninos do Jardim na história do Colégio Santa Teresinha de Lisieux a desenharem os respectivos nomes no livro negro da secretaria, fato de que se orgulhariam mais tarde. Muito mais tarde.



Castigo



Para George, aquela era noite de castigo. Pra pensar na bobagem que fez e nunca mais ofender colega, por mais chata que seja. Menos mal que também era noite de aula da mãe e do pai. O vô José ficaria com ele. Só jantou arroz e feijão, porque isso não tinha na horta. Não comeria irmão algum.

- Por que não come chuchu? Faz bem... – interrogou o avô.

- Ué, vô. O chuchu meu pai plantou, então é meu irmão. Não como meus irmãozinhos.

O avô engasgou-se de tanto rir:

- Se não quer comer, não come. Mas não precisa me matar de rir.

O guri estava sério:

- Mas é verdade, vô...

- Sim, claro. – O avô piscou. Olha, eu sei que tu estás de castigo...

George conhecia aquele tom de voz. O avô estava pronto para propor alguma traquinagem.

- É, né? Mas foi a Nicole que provocou...

- Tudo bem, nem se discute. Mas não precisas ficar sem sobremesa. – o avô pegou um pote que estava sobre o balcão – Olha só o que tua avó mandou...

Bolo de laranja. Com calda de laranja. George adorava!

- Só um pedacinho, tua mãe nem precisa saber. – disse o avô, já servindo um pratinho.

George deliciava-se. Estava úmido e cheiroso. Meio doce, meio azedinho, na medida. Fofinho, desmanchava-se na boca.

- A vó podia fazer esse bolo todo dia, né?

- Agora que é época de laranja, dá para fazer. Teu pai colheu as que foram usadas aí hoje de manhã, no quintal.

George gritou um “Nããããããooooooo” e correu para o banheiro, cuspindo-se todo.

O avô nada entendeu. Queria bem explicadinha essa história de gritar, cuspir e querer vomitar.

- Meu pai me plantou na barriga da minha mãe, certo?

O avô assentiu com a cabeça.

- Meu pai plantou a laranjeira, não foi?

-Ahã.

- Então sou irmão da laranjeira.

Aquela, com certeza, não era incumbência de avô. Mas resolveu, assim mesmo, explicar:

- Não, George, gente é só irmão de gente. Se fosse como tu pensas, então, quem trabalha na roça, que planta seu próprio alimento, não poderia comer nada.

George arregalou os grandes olhos castanhos:

- Então posso comer mais bolo?



Sementes



O avô teve uma conversa com os pais do menino. George não ouviu muito bem, só que “precisam conversar mais com o guri”. Achou legal. Vô José era o melhor avô do mundo. Explicava bem as coisas. George agora nem mais tinha medo de acordar igual ao seu irmão rabanete, todo vermelho por fora. Mas continuava achando que a avó era irmã de um maracujá.  No final de semana, o pai estava todo querido. Aquilo estava muito estranho.  Convidou George para ajudar na horta.

- Vamos semear salsa! – Anunciou o pai, como quem diz “Vamos andar na montanha-russa!”

Como não estava passando desenho legal na TV, o menino foi. O pai abriu uns sulcos no canteiro e pegou um envelopinho.

- O que é isso, pai?

- Essas são as sementes. Quando crescerem, vão ficar iguais a essa plantinha da foto.

O coração aos pinotes. Então era assim que escolhiam! A foto no pacotinho! Exigiu:

- Quero ver a minha foto de quando eu crescer. Onde está?

O pai não entendeu. Como assim? Que foto?

- Ué, como essa aí do pacote. Quando eu fui plantado na mamãe, não tinha foto?

O pai riu, nervoso. O filho já era um homenzinho, tinha que saber de algumas coisas.

- Não, filho, semente de gente é diferente. Alcança o regador? – Desconversou.

- Por que eu não tenho um irmão?

- Vai ver que é porque a semente não pegou na barriga, filho. Vamos ver se vai pegar no coração.



Irmão se planta no coração



George achou triste aquela história de semente que não pega. Resolveu não insistir, não adiantava mesmo. Na escola, a Nicole nem enchia o saco. O Pedro e o João eram os mesmos amigões do peito de sempre. Mas amigos não vêm para a casa da gente depois da aula. Só de quando em vez.  Nem têm o mesmo vô e a mesma vó. Só têm uns primos que a gente nem conhece e vivem roubando a atenção.

Um dia, a mamãe e o papai chegaram com um bebezinho em casa. Um menino. Até que era bonito o danado do rechonchudo. Nem tinha a tal cara de joelho que dizem que os bebês têm.

- Quem é, Mamãe?

O pai pegou o guri no colo. Botou sentado no sofá. Sim, ele queria segurar o nenê.

- Filho, disse a mãe, esse é o teu maninho.

George ficou confuso. Como assim?  A mãe não tem que ficar com barriga de quem engoliu melancia? Não tem que ir para o hospital?

- Então a semente pegou na tua barriga?

- Não, filho... - disse o pai, reticente.

- Esse foi plantado no meu coração – completou a mãe.

George olhou para aquele sapequinha. Sentiu uma coisa boa dentro do peito. Parecia que o coração inchava, fazia cocegazinha e dava vontade de suspirar. Aquelas bochechas não enganavam: iriam fazer grandes traquinagens juntos. Estava claro: irmão é aquele que nasce no coração.

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