terça-feira, 20 de abril de 2010

Lenda urbana

Lenda Urbana




Uma vez era em que as crianças podiam brincar na rua. Sério, pode perguntar para sua avó. As casas não tinham grades altas. Muros, só para não ver a cara de vizinho chato, que chatos existem desde que o mundo é mundo. Cerca elétrica, então, era coisa de filme de ficção científica dos bem ruinzinhos, assim como telefones celulares, computadores e Play Station. Televisão, só em preto-e-branco. E só se podia assistir um pouquinho porque sempre tinha uma tia implicante dizendo “sai daí, guria, que faz mal para as vistas”.


Porque se importavam umas com as outras, as pessoas contavam muitas histórias. Tenho a impressão de que algumas eram inventadas com a exclusiva intenção de colocar freios nas nossas imaginações e limites territoriais para as nossas brincadeiras. Mas às vezes não era bem assim.

Uma dessas histórias, creio eu, foi inventada para que não brincássemos tanto na rua. Ora, naquela época, final da década de 1970, não havia nem um décimo do perigo que há hoje em brincar na rua, mas as mães, sempre exageradas, tinham medo do trânsito, o “grande” trânsito do interior. Pois bem. Diziam que, na cidade vizinha, havia uma Kombi conduzida por um homem de chapéu que, ao avistar crianças mal-educadas brincando na rua, parava imediatamente o veículo e, de dentro dele, saía uma imensa senhora de feições germânicas, a qual pegava um dos piás e o jogava para dentro do carro. Horas depois, voltavam e jogavam a vítima de volta, pálida, branquinha, com quase nenhum sangue. Era a temível “Kombi dos tiradores de sangue”. Nem é preciso dizer que fugíamos de Kombi como diabo da cruz. Havia quem jurasse já ter testemunhado o fato. Falavam até que o pai de um dos nossos vizinhos, que todo mundo chamava de subversivo, embora eu nem fizesse idéia do que isso significava, foi raptado um dia de manhã, quando saía para o trabalho, por essa Kombi. Ninguém nunca mais o viu.
A cor da Kombi variava: em algumas versões era branca, noutras bege, azul-claro com branco... Só faltou verde com bolinhas roxas, mas daí daria muito na cara que era invenção. Cada vez que alguém avistava uma Kombi entrando na nossa rua, dava o sinal de alerta: “A Kombi dos tiradores de sangue!”, ou “Vamos dar no pira!”, ou apenas “A Kombi!”. Eu não acreditava em nada daquela baboseira, mas achava muito divertido fugir das Kombis, buscando lugares cada vez mais inusitados para me esconder. No fundo, quando ia brincar na rua, ficava torcendo para passar uma Kombi – ainda mais se o meu time estava perdendo no jogo de caçador.

Um dia – por que sempre tem um dia? – veio uma Kombi bem devagarinho entrando na nossa rua, estalando de novinha! Eu é que vi primeiro. Mas não falei nada. Não demorou nadinha e alguém gritou, a plenos pulmões: “Pé na tábua! A Kombi!”. Puxa, bem na hora que eu iria acertar a bola no penúltimo sobrevivente do time adversário... De chateada que estava, resolvi não correr muito. Só um pouquinho, para cumprir a tradição. Entrei no pátio da casa da minha amiga Ângela e rapidamente decidi pela opção mais fácil: esconder-me subindo no ingazeiro que havia ali. Era uma árvore enorme – quando somos crianças tudo parece gigantesco – com a copa bem fechada. A Kombi veio vindo, veio vindo e ... diminuindo a velocidade! Não é que a Kombi entrou no pátio da casa da Angelinha? Meu Deus! O sinistro veículo parou bem ao ladinho da árvore. Comecei a tremer: “Ai, e se for verdade mesmo? Será que me viram aqui?”. Tentei olhar para o motorista, para ver se ele estava de chapéu, mas as lágrimas de pavor turvaram minha visão. Essa mania de duvidar ainda me mata. Só vi que um vulto masculino desceu. Nenhum sinal da mulher enorme.

- O que tu estás fazendo sozinha aí, guria?

Meu coração disparou: ai, Jesus, ele me viu. Nem olhei para o homem, de tanto medo.

- Queres ajuda para descer?

Ah, pois sim, ajuda! Eu queria era subir mais, e mais, e mais.... Então, ouvi a voz da minha amiga vindo de dentro de casa:

- Mãe, o pai chegou com o carro novo!

Era o Tio Hugo, com a Kombi que ele acabara de comprar. Eu, a valentona, nem reconheci sua voz. Mas que o pai da minha amiga tinha um gosto meio esquisito para carros, ah, isso tinha!

2 comentários:

  1. E não é que tinha umas histórias bem sinistras, mesmo? Eu também ouvi algumas na mesma época. Bem, talvez um pouquinho antes...

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  2. Sora, vc é liiiiiinda e querrrrrrida demais! Teu blog tá lindo. Beijos da Tati e da Cintia, da tua turma preferida hehe Te amamos!

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