domingo, 11 de outubro de 2009

A outra

Ela não voltaria atrás. Um absurdo. Eles mereciam seu desprezo. Não, melhor: sua indiferença. Ensaiou na frente do espelho o movimento que faria com os ombros quando alguém lhe perguntasse por ele. Ou pela outra, a ex-amiga. Recolheu o choro. Despachou as coisas dele com o porteiro.

Ninguém tocava no assunto. No meio do expediente, fugia para o banheiro. Revisava seu movimento de ombros: nem tão para cima – canastrice -, nem tão para baixo – falta de ênfase. A faxineira, certa vez, flagrou-a no exercício. “É bom para as costas. Esse computador ainda me mata”.

Não foi convidada para a festa de batizado da filha do colega. Normal, mulheres avulsas são um perigo. Ainda mais ela, linda que era. Gostou de ser perigosíssima. No horário da festa, foi ao shopping e comprou um sapato salto 15 com estampa de tigre. Saiu da loja com ele. Uma felina.

Também não a convidaram para o casamento da filha do chefe da filial. Natural. Só iriam casais. A linda mulher avulsa comprometeria a harmonia, foi o que ela pensou. Comprou uma sandália de prata, amarrada no tornozelo. Vestido branco esvoaçante. Era uma deusa grega.

Sucederam-se aniversários, formaturas, noivados, bodas de prata. Espiava as fotos nos sites dos fotógrafos badalados. Ele e ela estavam lá. Sempre. Seu guarda-roupa acrescentava-se: botas, joias, decotes vertiginosos. Virou loira. Botou unhas de porcelana. Mega hair. Botox. Silicone. Lipoaspiração. Revista Cláudia. O velho segurança barrou-a na entrada da empresa:

- A moça me desculpe – gaguejou, olhos fixos no decote - aqui só entra funcionário autorizado.
- Troca os óculos, Seu Alfredo. Não me reconhece mais? –disse, deixando-o para trás, envolto em seu Paloma Picasso.

Pisava firme seu salto. Chegava cedo o suficiente para treinar, no espelho do banheiro, o movimento dos ombros.Todo dia. Ninguém perguntava. Ela ansiava por isso. Acrescentou um olhar blasé à pantomima. Igual ao dela na foto mais recente. Uma jogada de cabelo. Agora ela podia.

A pergunta não vinha.. O expediente terminava cedo demais. As idas aos shoppings se sucediam. Naquele dia, cartão de crédito no limite, olhava as vitrines. Alguém chamou o nome da outra, da sua ex-melhor amiga. Tremeu. Ela estava por perto. Grudou os olhos na vitrine. A voz insistia. Reconheceu a voz. Falta de ar na roupa apertada. As pernas mal se sustinham. Tontura. A voz, de novo, chamava “Amor”. Ela olhava para a vitrine. No reflexo do vidro, enxergou a outra diante de si. Os cabelos, a silhueta, o figurino. Tudo aquilo era a outra. Respirou fundo. Aquele não era o seu cheiro. Era o cheiro dela. Aquele trejeito também não era seu. O vazio no estômago, a maquiagem entupindo os poros. Tampouco isso não era seu. Ele aproximava-se. Viu, no reflexo, o momento em que ele levaria a mão ao seu ombro. Sentiu sua respiração na nuca. Esquivou-se. Ele pegou-a pela cintura. Ela teve uma vertigem. Ficaram frente a frente, abraçados. Ele avermelhou:

- Desculpa, pensei que fosse minha mulher, juro! Assim, de costas...

Ela empurrou-o. Disparou. Virou o pé. Ele gritou:

- Moça, desculpa,viu?

Ela estaqueou. Virou para trás. Certificou-se que ele a seguia. Lançou-lhe o olhar blasé. Deu-lhe as costas, atirando a cabeleira. Jogou os ombros para cima e para baixo. Seguiu. Jogou sua sandália de prata na primeira lixeira.

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