quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Fome de bola

UMA GORDA HISTÓRIA DE MAGRO TERROR

                Era uma vez um guri gordinho.
                Era uma vez um guri magrinho.
                Eles eram amigos.
                Os dois tinham fome de bola.
                Jogavam futebol todos os dias depois da aula no campinho do bairro onde moravam.
                Um dia, no meio do jogo, um outro guri deu um chute forte na bola, mas um chutão tão forte, que foi parar lá longe e quebrou a vidraça do casarão abandonado do outro lado da rua.
                Era um casarão velho, abandonado, mal assombrado, amorcegado, mal encarado. Aquela era a única bola que tinham. E a fome de futebol era muita.
                E agora? Quem seria corajoso que entraria lá?
                - Eu! – Gritou o gordinho.
                - Eu! – Gritou o magrinho.
                E lá se foram eles, roendo as unhas, batendo o queixo e tremendo os joelhos. Mas foram, os dois valentões.
                O portão rangeu, uma coruja piou, um morcego deu um voo rasante, o grande relógio sinistro badalou, o pó caiu, etecetera, etecetera, etecetera: aconteceu tudo aquilo que você já sabe sobre casas sinistras.
                Mas o que você não sabe é que, quando os guris acharam a sala da vidraça quebrada, tudo ficou ainda mais escuro. E esfumaçado. Ouviram risadas de bruxa.
                Os guris se abraçaram e apertaram os olhos. Quando o gordinho abriu o olho direito e o magrinho o esquerdo, a fumaça foi embora. Apareceu, lá longe, um ponto brilhante. Ele aproximava-se a toda velocidade. Ficava cada vez maior, retangular e metálico. Era atropelamento na certa.
                Grandes garras metálicas saíram do teto. Suspenderam os guris no ar, sobre a grande caixa metálica e brilhante. Outras garras vieram e colocaram óculos escuros nos dois amigos.
                As garras desceram os meninos. Eles ficaram cara a cara com o imenso objeto metálico, retangular e brilhante, que, na verdade, era uma grande, majestosa e tecnológica GELADEIRA.
                Que raios uma geladeira fazia ali?
                Uma voz anunciou:
                - Nessa geladeira vocês encontrarão tudo aquilo de que mais têm fome!
                Nã-nã-ni-nã-não: você pensou errado. O gordinho não imaginou pudins e sorvetes, tampouco o magrinho pensou em verduras e frutas. Nem o contrário.
                - Mas a gente só queria... – murmurou o magrinho.
                - A nossa bola de volta! – Completou o gordinho.
                A voz de robô trovejou:
                - Abram a porta ou sofram as consequências.
                Os dois guris abriram a porta ao mesmo tempo. Um vendaval gelado os despenteou. Surgiu no centro da geladeira a sua velha bola de guerra. Em três plocs, ela criou dois olhos e uma boca, que assoviou e ordenou:
                - Turma, é aqui mesmo! Avante!
                Da geladeira começaram a saltar outras bolas, bicicletas, patins, patinetes, livros, lápis de cor, giz de cera, cadernos em branco, tinta, pincéis, bolas de gude, mais bolas de futebol, livros, livros, livros, livros... E todos eles saltavam pela janela quebrada, direto para as mãos das crianças do bairro, que entenderam tudo.

                Era a vez e a coragem de matar a fome e a sede de novas aventuras. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário