quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Mãe, por que eu preciso ir para a escola?

MÃE, POR QUE EU PRECISO IR À ESCOLA?

PÉPE E SEU GRANDE OLHO IAM À ESCOLA.

PÉPE NÃO SABIA POR QUÊ.

SÓ SENTIA SUA GRANDE MOCHILA.

HAVIA MUITOS OUTROS OLHOS QUE IAM À ESCOLA.

LÁ, HAVIA OLHOS MIUDINHOS POR TODA A PARTE.

E GRANDES BOCAS, QUE FALAVAM, FALAVAM.

MAS PÉPE NÃO OUVIA. PÉPE NÃO TINHA OUVIDOS.

ÀS VEZES, PÉPE TAMBÉM NÃO TINHA CORPO.
ELE NÃO CONSEGUIA IMAGINAR O QUE OS OUTROS OLHOS IMAGINAVAM.
ENTÃO, SEU CORPO SE REPARTIA EM MIL PEDAÇOS.

PÉPE, ENTÃO, ERA SÓ OLHOS DE NOVO. E GRANDES: AS COISAS PERIGOSAS PODEM VIR DE QUALQUER LADO.

UM DIA, A MOCHILA FICOU AINDA MAIOR.

SEU OLHO-MÃE O ARRASTAVA PARA A ESCOLA.
O PESO DA MOCHILA ERA TANTO, MAS TANTO, QUE PÉPE SENTIU UM BURACO. DESCOBRIU QUE TINHA UMA BOCA.
A COCEIRA QUE VINHA DO FUNDO DO CORPO FEZ PÉPE JORRAR UMA PERGUNTA:


- MÃE, POR QUE PRECISO IR À ESCOLA?
A BOCA DA MÃE MEXIA. PÉPE NÃO TINHA OUVIDOS. NÃO CONSEGUIU IMAGINAR O QUE SAÍA DA BOCA DA MÃE.
FOI A VEZ EM QUE A CABEÇA DO PÉPE CAIU.
SÓ O CORPO DE PÉPE FOI À ESCOLA. MAS NÃO DEIXAVA DE SER PÉPE.
A PERGUNTA FEZ CRESCER BOCAS POR AÍ.
UM DELAS DISSE QUE PÉPE IA À ESCOLA PARA SER O PÉPE.
ESSA PALAVRA MÁGICA FEZ O CORPO E A CABEÇA SE UNIREM.
AGORA, PÉPE CONTINUAVA COM UMA GRANDE CABEÇA – COM DOIS OLHOS E UMA BOCA.
OS OLHOS DORMIRAM, E A BOCA PÔDE RONCAR FELIZ.
AMANHECEU OUTRO DIA DE AULA.
A MÃE E O PAI, E O VÔ E A VÓ ARRASTARAM PÉPE CABEÇÃO, OLHÃO REMELENTO, BOCÃO RONCADOR E CORPÃO DESMONTADO PARA A ESCOLA OUTRA VEZ.
VEIO OUTRA COCEIRA TÃO FORTE, QUE SALTARAM ORELHAS NO SEU CABEÇÃO.
ELE NÃO ESTAVA ACOSTUMADO COM AQUILO.
LÁ DO FUNDO, BERROU BEM ALTO PARA QUE SUAS ORELHAS O OUVISSEM:
- MÃE, POR QUE PRECISO IR À ESCOLA?
PÉPE ESCUTOU A SI MESMO.
NEM DEU PELA RESPOSTA DA MÃE, DO PAI, DO VÔ, DA AVÓ, DO AVÔ, DA PROFESSORA, DA VIZINHA, DO CACHORRO DA IRMÃ DA VIZINHA, DA LAVADEIRA DA PRIMA DA CUNHADA DA VIZINHA....
ERA MUITA GENTE FALANDO, MAS TANTA GENTE... QUE O CORPO DO PÉPE SE PARTIU EM MIL PEDAÇOS.
DEVAGAR, OS OUVIDOS NOVOS DO PÉPE OUVIAM, LÁ DE LONGE, VOZES QUE ATRAVESSAVAM SEU CORPO.
O CORPO SE UNIA NOVAMENTE.
A MÃE, O PAI, O AVÔ, A AVÓ, A PROFESSORA QUISERAM ARRASTAR NOVAMENTE PÉPE PARA ESCOLA.
ELE RESOLVEU UM CORPO E UMA CABEÇA E ATIRAR PARA DENTRO DE SI A PERGUNTA:
- POR QUE EU TENHO QUE IR À ESCOLA?
TODO SEU CORPO OUVIU. SUAS ORELHAS, SUA BOCA E CADA UM DOS SEUS MEMBROS E ÓRGÃOS SOUBE QUE OS OLHOS, GRANDES OU MIÚDOS, E AS BOCAS, GRANDES OU PEQUENAS, QUE ESTÃO NA ESCOLA, EM CASA E EM TODOS OS LUGARES SÃO APENAS BOCAS E OLHOS.

PÉPE AGORA TINHA UM ROSTO.

UM ROSTO E UM CORPO.

E UM ROSTO E UM CORPO DE OLHAR O MUNDO.

SUAS PUPILAS SE TORNARAM DOIS GRANDES PONTOS DE INTERROGAÇÃO.

E MUITOS PONTOS DE INTERROGAÇÃO TAMBÉM SURGIRAM EM CASA, PELAS PAREDES, PELOS LIVROS, NA TELA DO COMPUTACOCEIRA.

QUANDO AMANHECEU OUTRO DIA DE AULA, NINGUÉM ARRASTOU PÉPE.
ELE ESTAVA GRANDE DEMAIS PARA SER ARRASTADO.
ELE TINHA PASSOS DE LÉGUAS.
E FOI PARA A ESCOLA PORQUE SEUS OLHOS SÓ SABIAM ESSE CAMINHO DE IR.
O CAMINHO TAMBÉM ESTAVA CHEIO DE PONTOS DE INTERROGAÇÃO.
A ESCOLA ESTAVA CHEIA DE PONTOS DE INTERROGAÇÃO.
PÉPE, COM TODO O SEU CORPO, ABRIU A BOCA, E DELA SALTARAM TODAS AS INTERROGAÇÕES QUE ESTAVAM PRESAS EM SUA GARGANTA.

AS INTERROGAÇÕES DE PÉPE MISTURARAM-SE ÀS INTERROGAÇÕES  DA MARIA, DO EDUARDO, DO FÁBIO, DA ANA, DA CAROLINA, DA CAMILA, DO VÍTOR, DA GABRIELA, DA OUTRA GABRIELA, DA LETÍCIA, DO BERNARDO...

UM ARCO-ÍRIS DE INTERROGAÇÕES COLORIU OS CÉUS DA ESCOLA, DA CIDADE E DO MUNDO.

OS OLHOS DO PÉPE – E DE TANTOS OUTROS PÉPES – GOSTARAM DAQUILO.

E AS RESPOSTAS ERAM MUITAS, VINDAS DE MUITAS E MUITAS BOCAS.

OS OUVIDOS GOSTAVAM DE UMAS, NÃO GOSTAVAM DE OUTRAS.
O CÉREBRO FILTRAVA. O CORAÇÃO ESCOLHIA.

DA BOCA DE PÉPE, AINDA SAEM E SAIRÃO, SEMPRE, MUITAS PERGUNTAS.
MAS O QUE ELE SABE, DE VERDADE, COM TODO O SEU CORPO,  É QUE ESTÁ NA ESCOLA E NA VIDA PARA SER ELE MESMO.

PARA SER FELIZ. 

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Fome de bola

UMA GORDA HISTÓRIA DE MAGRO TERROR

                Era uma vez um guri gordinho.
                Era uma vez um guri magrinho.
                Eles eram amigos.
                Os dois tinham fome de bola.
                Jogavam futebol todos os dias depois da aula no campinho do bairro onde moravam.
                Um dia, no meio do jogo, um outro guri deu um chute forte na bola, mas um chutão tão forte, que foi parar lá longe e quebrou a vidraça do casarão abandonado do outro lado da rua.
                Era um casarão velho, abandonado, mal assombrado, amorcegado, mal encarado. Aquela era a única bola que tinham. E a fome de futebol era muita.
                E agora? Quem seria corajoso que entraria lá?
                - Eu! – Gritou o gordinho.
                - Eu! – Gritou o magrinho.
                E lá se foram eles, roendo as unhas, batendo o queixo e tremendo os joelhos. Mas foram, os dois valentões.
                O portão rangeu, uma coruja piou, um morcego deu um voo rasante, o grande relógio sinistro badalou, o pó caiu, etecetera, etecetera, etecetera: aconteceu tudo aquilo que você já sabe sobre casas sinistras.
                Mas o que você não sabe é que, quando os guris acharam a sala da vidraça quebrada, tudo ficou ainda mais escuro. E esfumaçado. Ouviram risadas de bruxa.
                Os guris se abraçaram e apertaram os olhos. Quando o gordinho abriu o olho direito e o magrinho o esquerdo, a fumaça foi embora. Apareceu, lá longe, um ponto brilhante. Ele aproximava-se a toda velocidade. Ficava cada vez maior, retangular e metálico. Era atropelamento na certa.
                Grandes garras metálicas saíram do teto. Suspenderam os guris no ar, sobre a grande caixa metálica e brilhante. Outras garras vieram e colocaram óculos escuros nos dois amigos.
                As garras desceram os meninos. Eles ficaram cara a cara com o imenso objeto metálico, retangular e brilhante, que, na verdade, era uma grande, majestosa e tecnológica GELADEIRA.
                Que raios uma geladeira fazia ali?
                Uma voz anunciou:
                - Nessa geladeira vocês encontrarão tudo aquilo de que mais têm fome!
                Nã-nã-ni-nã-não: você pensou errado. O gordinho não imaginou pudins e sorvetes, tampouco o magrinho pensou em verduras e frutas. Nem o contrário.
                - Mas a gente só queria... – murmurou o magrinho.
                - A nossa bola de volta! – Completou o gordinho.
                A voz de robô trovejou:
                - Abram a porta ou sofram as consequências.
                Os dois guris abriram a porta ao mesmo tempo. Um vendaval gelado os despenteou. Surgiu no centro da geladeira a sua velha bola de guerra. Em três plocs, ela criou dois olhos e uma boca, que assoviou e ordenou:
                - Turma, é aqui mesmo! Avante!
                Da geladeira começaram a saltar outras bolas, bicicletas, patins, patinetes, livros, lápis de cor, giz de cera, cadernos em branco, tinta, pincéis, bolas de gude, mais bolas de futebol, livros, livros, livros, livros... E todos eles saltavam pela janela quebrada, direto para as mãos das crianças do bairro, que entenderam tudo.

                Era a vez e a coragem de matar a fome e a sede de novas aventuras.