Turma 53
Nós tínhamos 11 anos, todos os sonhos do
mundo e três gols atravessados na garganta. Todos eles de um certo Paolo Rossi,
o carrasco italiano que baleou a mais genial seleção brasileira de todos os
tempos.
Apesar dos tiros no peito, o outro dia era
de aula. E de lamentar-se na troca dos períodos:
— Como que isso foi acontecer? —
perguntava-se a Fabiane.
— A culpa foi daquela zaga podre, daquele
Valdir Peres que só fez besteira! — berrou o João lá do fundo da sala.
— Claro que a culpa é do técnico,
meu vô que disse — argumentou a Graceline.
E a Dona Vera, professora de
Português, que adentrava a sala, entrou na discussão, pensando encerrá-la:
— A culpa é que a seleção é de
homens. No Brasil, eles não fazem nada que preste. Só falta a nós, mulheres,
termos que vestir a camiseta amarela também. E tenho dito. Agora, silêncio,
turma 53, que futebol não dá futuro para ninguém.
Quando Dona Vera se virou para
apagar o quadro, as meninas fizeram bananas e outros gestos menos cordiais para
os meninos. A troca fuzilante de olhares disse que o caso não acabava ali.
E não ficou por isso mesmo. No
recreio, o Paulo, o Pedro e o João foram até o grupinho das gurias, coisa que
era terminantemente proibida. O João encarou a Tati, a líder das meninas,
jogando sua franja argentina para o lado:
— Se as mulheres da 53 são tão, tão
assim, nós desafiamos vocês para uma partidinha de futebol.
— E damos até um mês de lambuja para
vocês treinarem — disse, irônico, o Pedro.
A Tati não baixou o queixo:
— Pois está marcado. Daqui a um mês.
Preparem-se para morrer.
Quando o trio masculino virou as
costas, as gurias soltaram a polvorosa: como que a Tati não desconversou? Que
fiasco seria aquele, Santo Deus! Todo mundo sabia que os guris da 53 eram os
melhores jogadores da escola. A Tati, numa calma fingida, já tinha um plano,
que a seguissem.
Foram todas para à porta da sala dos
professores. Pediu para falar com a Dona Vera e com a Dona Zuleika, a
professora de Educação Física. Explicou toda a situação. Dona Vera, então,
comprou a briga e convenceu Dona Zuleika a treinar, secretamente, depois das
aulas as meninas.
Foi um mês de treinos intensos.
Claro que os guris ficaram sabendo. Acharam tão engraçado que até resolveram
suspender as peladas até o grande dia, que, enfim, chegou.
O duelo seria na aula de Educação
Física. Trinta minutos, quinze para cada lado. As turmas 52 e 54 foram
liberadas para assistir ao duelo. O avô da Roberta, a experiente goleira – de
handebol, diga-se -, e o pai da Lu, a
zagueira, juntaram-se à Dona Zuleika. Eram a comissão técnica. “Mais vale não
levar do que fazer”, lembraram os integrantes da comissão às jogadoras.
E foi o que elas fizeram.
Ninguém passava pela Lu, que tomava
cuidado para que ninguém cavasse um pênalti. A Tati e a Fabi mostravam toda a
agilidade nas roubadas e nas retomadas. A genialidade do Paulo, no entanto,
custava a aparecer, soterrada sob grossas camadas de salgadinhos, refri e
bolachas que consumiu no tempo-de-não-treino. A câimbra nas pernas do João
doíam menos que sua consciência pesada por ter subestimado as gurias e por
todas as porcarias que comeu naquele fatídico mês.
Acabados os 15 minutos, nada de gol. A 52
e a 54 vaiaram a pelada braba.
Nos 14 minutos do segundo tempo, em uma
distração fatal do João, a Fabi roubou a bola no contra-ataque, tabelou com o
zagueiro e.... gooooooooool!
Abraços, risadas, cumprimentos gerais. Os
guris cumprimentaram, orgulhosos, as suas colegas. Foi hora das gurias da 53
mostrarem seu valor.
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