“Oi, Aninha, fiquei sabendo do que te aconteceu queria tá aí, mas num vai dá olha, isso acontece,melhor assim minha vó sempre dizia que tem males que vem pro bem... Bjks Dri”
Ana releu a mensagem. Não entendeu nada. Não era só a pontuação que inexistia. Não havia acontecido nada com ela. Nunca acontecia. Quem era essa tal de Dri, com a bendita avó? Viu o remetente: drika.sousa. Vou saber? Melhor deixar quieto. Vírus não era, não tinha anexo.
Seguiu com suas atividades rotineiras. Quando terminava de revisar um texto, deu-se conta de que era seu dia de buscar as trigêmeas na escola. Voou, voltou, todo-mundo-para-o-banho-já, chegada do marido, jantar, novela, sono. Lembrou que precisava enviar o texto revisado. Quando abriu sua caixa de e-mails, estava lá: drika.sousa. Subject: novidades.
Não quis abrir. Ou melhor: queria, mas não era com ela. Em tempos outros, diriam que isso era violação de correspondência. Se o carteiro, por engano, colocasse uma carta para o vizinho na sua caixa, ela abriria? Não, claro que não. Se fosse a tia Dulce, claro que sim. Mas ela não era a tia Dulce, a Fofoqueira, com efe maiúsculo. Era a A-na!
O melhor a fazer seria deletar. Claro que o melhor era apagar, ignorar. O correto, o certo, a única opção a considerar. Mas o assunto... “novidades”. Quem não gosta de novidades? Era mulher, tinha sangue nas veias. Qualquer um a perdoaria. Poderia dizer que abriu sem querer, automático, tanta coisa pra fazer, meu Deus!.Mas ela se perdoaria? De mais a mais, quem saberia? Só ela. Tudo isso. E se mandasse um e-mail para essa tal de drika.sousa, dizendo que se tratava da ana.silva errada? Daí a Drika saberia que ela, A-na, era uma fuxiqueira das boas. Nada disso...
O marido chamou, que já era mais que hora de dormir, que saco! Ana sabia que ele não conseguia dormir enquanto ela não se deitasse. Tinha medo de se sobressaltar quando ela deitasse – claro que ele jamais admitiu isso.
- Te ajudei, viu? Botei a tropa toda na cama. Dentinhos escovados, os pijamas iguais. Tudo bonitinho, do jeito que tu gostas – disse o marido.
Ela murmurou algo parecido com um “obrigada”. Estava tarde para discutir as implicações semânticas em torno do verbo ajudar. O marido a abraçou...
- Hoje não, estou preocupada.
O marido jogou-se, pesado, na cama:
- Pra variar. O que foi, desta vez?
- Não, nada. Esquece.
Seguiu-se o embate habitual: ele insistia, ela negava. Até...
- Eu recebi um e-mail que não sei se era para mim...
O marido estava impaciente...
- Vamos, e daí? Como assim? O que dizia?
- Era de uma tal de Dri, dizendo que sabia do que ocorreu comigo, que há males que vêm para o bem, que gostaria de estar comigo, mas não pode... Essas coisas..
O marido ajeitou-se para dormir. Claro que não era para ela. Essas coisas acontecem.
- Mas, e se for? E se aconteceu alguma coisa de que não estou sabendo ainda?
Isso, para o marido, àquela hora da noite, já era demais.
- Sim, e o coelhinho da Páscoa também te mandou um e-mail perguntando o que tu queres de presente. Tens ideia de quantas Anas Silvas existem? Milhares, milhões...
- Mas, e se for alguém me avisando? Eu conheço várias Drikas...
- Sim, e o teu umbigo é o centro do universo. Dorme aí, que já está tarde. – resmungou o marido.
Ana esperou o marido roncar. Levantou, espiou as meninas. Pareciam quentinhas debaixo dos edredons. Desceu as escadas na ponta dos pés. Ligou o computador, acessou sua conta de e-mail. A mensagem estava lá, pedindo, implorando para ser lida. Resolveu escrever para a drika.souza:
“Hoje recebi duas mensagens suas. Li a primeira e julgo que te enganaste de endereço eletrônico, pois nada ocorreu comigo, tampouco a conheço.”
Queria escrever que não conhecia ninguém tão ignorante que não soubesse usar um único ponto, mas seria muita grosseria. Releu a mensagem. Quem se importa, oras? Deletou o que escreveu. Que raio de amiga era aquela Drika? Quem se sentiria confortada com uma mensagem daquelas? Sentiu o gosto do desamparo de todas as Anas.
Jogou seu nome no Google. Milhões de anas silvas, de todas as partes, de todos os gostos e profissões. Riu-se de sua memória e parafraseou: anas pretas, brancas e amarelas – pra que tantas anas, meu Deus? Qual delas estaria, naquele momento, precisando de consolo? Qual delas, agora, viveria uma pequena tragédia pessoal? Poderia escrever para anasilva, tudo junto, ana_silva, ana-silva, ana.silva1, ana.silva2, ana.silva 3.000.000, mas o que diria? Que sente muito? Ela sente? Mesmo? Por quem?
Ana reparou no esmalte descascado das suas unhas sob o teclado. Nas mãos ásperas. Na boca seca. Nos pés gelados. No estômago roncando, que não se pode comer à noite.
Fez um chá e encheu a banheira de água escaldante. Era hora de endereçar algo a si mesma.
terça-feira, 29 de junho de 2010
terça-feira, 1 de junho de 2010
Nem aos domingos
Nem aos domingos
Sem querer, Ana bateu a portão de casa. Apressada, não encontrava a chave do carro na bolsa. “Nem em domingo...”, mas não conseguiu completar o pensamento. Do outro lado da rua, vinha um tipo suspeito. Deu dois passos para trás. O moço entrou na outra rua. Alívio. Achou a chave, entrou no carro, arrancou.
Quando chegou à avenida principal, lembrou do mapa. Ficou em casa. Onde era a festa mesmo? Ligou para a mãe do aniversariante. Caixa postal. Estacionou, raspando a roda no cordão da calçada. Pensou nas piadinhas do marido. Consertaria antes que ele percebesse. Telefonou para outra convidada. Ninguém atendeu. Sabia o bairro, meia dúzia de ruas, na certa acharia. Impossível não achar uma casa de festas de criança em um bairro. Prosseguiu. Não havia tempo de voltar.
Viu, mais adiante, alguns carros estacionados. Só poderia ser ali. Os balões são cor-de-rosa, que mal tem? A mãe do aniversariante tem a mente aberta. Rosa é lindo, chique. Não viu o carro da mãe. Pode ter vindo com o pai. Que carro mesmo que ele tem? Só pode ser aqui. O manobrista indicava o estacionamento: um terreno coberto por britas. Colocou o carro no cantinho que sobrara. Não dava para abrir a porta do motorista. Saiu pelo lado do carona. Ao passar de um banco para outro, seu colar engatou em uma alavanca. Mil pérolas tilintaram sobre o console. Não fazia mal. Ela nem gostava tanto assim do colar. Ao descer do carro, os saltos dos sapatos afundaram sob as britas. Por sorte, só um arranhãozinho no salto. Nada que uma boa graxa não resolvesse.
Chegou à festa. Sem óculos, não conseguiu localizar ninguém conhecido. Disse seu nome à recepcionista, que o escreveu sobre o pacote do presente. Crianças corriam embaladas pela estridente música infantil. Achou engraçadinho o pula-pula. Estaqueou. Um fedelho passou correndo e bateu em uma árvore de balões. O totem marrom e verde caiu sob a cabeça de Ana. A recepcionista veio em seu socorro. Sorriram amarelo. Um senhor encarou-a, franzindo a testa. Ela nunca o vira. Deu mais dois passos. O garçom lhe serviu um pratinho de doces. Olhou em volta. Ninguém conhecido. Deu quatro passos para trás. Perguntou à recepcionista:
- Será que tu podes me levar até a Márcia?
A recepcionista abriu seu sorriso de trabalho:
- Desculpe, senhora, mas quem é Márcia?
Um calor subiu ao rosto de Ana:
- A mãe do aniversariante, não sabe?
- Se não me engano, pelo que me disseram, ela se chama Patrícia. E é a aniversariante, olha ali, na placa.
Bem-vindos ao mundo encantado da Princesa Letícia. - dizia o colorido e imenso banner.
- Bem-vinda ao mundo encantado das trapalhadas de Ana. – disse à recepcionista, colocando o pratinho de doces sob o balcão.
Queria ser criança para poder sair correndo. Mal agradeceu ao manobrista e saiu pisando fundo. Será que havia alguém conhecido naquela festa? Meu Deus, por favor, que ninguém conhecido me tenha visto ali. Deu uma volta na quadra e, ao longe, viu uma placa com o nome de uma casa de festas infantis. Claro, era lá. Lembrou do nome. Viu o carro da mãe do aniversariante e os de duas outras amigas estacionados em frente ao local. Nem tudo estava perdido.
Entrou, deu o nome à recepcionista. A mãe do aniversariante a esperava na porta.
- Estávamos só esperando pela Tia Ana e pelo priminho Guilherme para cantar os parabéns. O João está ansioso, faz questão de que o teu filho esteja ao lado para ajudar a apagar as velinhas.
Priminho Guilherme?
Ana esquecera o filho em casa.
Sem querer, Ana bateu a portão de casa. Apressada, não encontrava a chave do carro na bolsa. “Nem em domingo...”, mas não conseguiu completar o pensamento. Do outro lado da rua, vinha um tipo suspeito. Deu dois passos para trás. O moço entrou na outra rua. Alívio. Achou a chave, entrou no carro, arrancou.
Quando chegou à avenida principal, lembrou do mapa. Ficou em casa. Onde era a festa mesmo? Ligou para a mãe do aniversariante. Caixa postal. Estacionou, raspando a roda no cordão da calçada. Pensou nas piadinhas do marido. Consertaria antes que ele percebesse. Telefonou para outra convidada. Ninguém atendeu. Sabia o bairro, meia dúzia de ruas, na certa acharia. Impossível não achar uma casa de festas de criança em um bairro. Prosseguiu. Não havia tempo de voltar.
Viu, mais adiante, alguns carros estacionados. Só poderia ser ali. Os balões são cor-de-rosa, que mal tem? A mãe do aniversariante tem a mente aberta. Rosa é lindo, chique. Não viu o carro da mãe. Pode ter vindo com o pai. Que carro mesmo que ele tem? Só pode ser aqui. O manobrista indicava o estacionamento: um terreno coberto por britas. Colocou o carro no cantinho que sobrara. Não dava para abrir a porta do motorista. Saiu pelo lado do carona. Ao passar de um banco para outro, seu colar engatou em uma alavanca. Mil pérolas tilintaram sobre o console. Não fazia mal. Ela nem gostava tanto assim do colar. Ao descer do carro, os saltos dos sapatos afundaram sob as britas. Por sorte, só um arranhãozinho no salto. Nada que uma boa graxa não resolvesse.
Chegou à festa. Sem óculos, não conseguiu localizar ninguém conhecido. Disse seu nome à recepcionista, que o escreveu sobre o pacote do presente. Crianças corriam embaladas pela estridente música infantil. Achou engraçadinho o pula-pula. Estaqueou. Um fedelho passou correndo e bateu em uma árvore de balões. O totem marrom e verde caiu sob a cabeça de Ana. A recepcionista veio em seu socorro. Sorriram amarelo. Um senhor encarou-a, franzindo a testa. Ela nunca o vira. Deu mais dois passos. O garçom lhe serviu um pratinho de doces. Olhou em volta. Ninguém conhecido. Deu quatro passos para trás. Perguntou à recepcionista:
- Será que tu podes me levar até a Márcia?
A recepcionista abriu seu sorriso de trabalho:
- Desculpe, senhora, mas quem é Márcia?
Um calor subiu ao rosto de Ana:
- A mãe do aniversariante, não sabe?
- Se não me engano, pelo que me disseram, ela se chama Patrícia. E é a aniversariante, olha ali, na placa.
Bem-vindos ao mundo encantado da Princesa Letícia. - dizia o colorido e imenso banner.
- Bem-vinda ao mundo encantado das trapalhadas de Ana. – disse à recepcionista, colocando o pratinho de doces sob o balcão.
Queria ser criança para poder sair correndo. Mal agradeceu ao manobrista e saiu pisando fundo. Será que havia alguém conhecido naquela festa? Meu Deus, por favor, que ninguém conhecido me tenha visto ali. Deu uma volta na quadra e, ao longe, viu uma placa com o nome de uma casa de festas infantis. Claro, era lá. Lembrou do nome. Viu o carro da mãe do aniversariante e os de duas outras amigas estacionados em frente ao local. Nem tudo estava perdido.
Entrou, deu o nome à recepcionista. A mãe do aniversariante a esperava na porta.
- Estávamos só esperando pela Tia Ana e pelo priminho Guilherme para cantar os parabéns. O João está ansioso, faz questão de que o teu filho esteja ao lado para ajudar a apagar as velinhas.
Priminho Guilherme?
Ana esquecera o filho em casa.
Assinar:
Postagens (Atom)