domingo, 29 de novembro de 2009

Uma avó sinistra

É o mesmo enredo que o anterior. Só que, desta vez, rimado. Qual forma fica melhor?

UMA AVÓ SINISTRA

João Pedrinho não queria...
A mãe não deu conversa:
Pegar seu pijama ele deveria.
- Tudo na mochila, depressa!

O guri passaria a noite na casa da avó,
Um casarão com jeitão esquisito.
Parede roxa, cortina preta, tapete cheio de pó:
Alguém achava aquilo bonito?


“Vou ficar bem comportado!”
Logo, logo o guri pensa.
“Com o Natal aproximado,
O Papai Noel me recompensa.”


A avó esperava na porta.
Vestido roxo, cabelo espetado.
Meia laranja, perna torta.
O guri, todo espantado.


“Como cresceu meu netinho!”
Foi ela logo se admirando.
“Entra, venha cá, João Pedrinho!”
O guri, nos abraços, sufocando.

Lá dentro, tudo era muito assustador:
Não falou nada para não parecer mariquinhas.
A avó tinha o Blaire, um cachorro labrador,
E o Salém, um gato preto e branco nas patinhas.

O guri não quis dizer:
Havia uma aranha pendurada
Sua teia estava a tecer
Em um buraco da cortina esfarrapada.

A avó até que se mostrou legal:
Mandou vir pizza, comprou refri.
Contou uma história sensacional.
Faz uma cara assustadora quando ri.

Quando a hora de dormir chegou...
Para a escada a avó logo apontou.
O quarto ficava lá no alto, sozinho
“No sótão preparei teu quartinho.”

Quando no primeiro degrau ele pisou
Rangeu toda a escada.
Com muito medo ele ficou
“Meu Deus, que enrascada!”

A porta do quarto gemeu ao abrir.
Um trovão ele escutou.
A luz deu para sumir
Um lampião a avó providenciou.

“Tenha bom sonhos, meu netinho!”
Desejou a avó amorosa.
Em pesadelos pensou João Pedrinho
Olhando, na parede, a sombra horrorosa.

A avó resolveu para o neto cantar
Lindas canções para menino dormir.
Falavam em bichos que vinham pegar
E em meninos que não tinham aonde fugir.


De medo, os olhos João Pedrinho fechou.
“Está dormindo” – a vovó logo pensou.
A velhinha saiu de mansinho, pé por pé
O menino ouviu terríveis barulhos sem saber o que é.

De repente, um grande estrondo e um clarão:
O menino viu a sombra de um terrível dragão!
Embaixo da cama algo respirava ofegante:
Será Bicho Papão? Será um Ogro Gigante?

Mas quem estará em cima do telhado?
Ouvia barulhos, garras e arranhados.
De repente, sentiu uma lambida no seu rosto:
- Não me coma, seu monstro! Sou ruim de gosto!

Alguém ligou a luz e os monstros afugentou:
Era vovó, que o Blaire enxotou:
“Só vim tirar o cachorro daqui, meu netinho.
Quando chove, ele dorme neste quartinho.”

“Posso dormir com você?” – pediu o guri.
A avó era um amor que sorri.
Dormiram em paz e quentinhos:
Eram, enfim, grandes companheirinhos!

Uma avó sinistra

Este texto já escrevi há um tempão. Como estou também há um tempão sem postar, resolvi fazer uma reciclagem. É para ser para crianças, tá?
Uma avó sinistra

     João Pedrinho não queria, mas não teve jeito. Precisava passar aquela noite na casa da Vovó. Ela morava sozinha em uma casa enorme, antiga, rodeada de árvores. E pediu tanto que ele passasse uma noite lá. Afinal, ele já era um homenzinho de cinco anos!


A mãe arrumou sua mochila: escova de dentes, pijama, roupa para o outro dia e...

- Que é isso, mãe, um urso? Coisa de guria! Não levo, não mesmo...

- Mas foi sua avó que deu, filho... Não custa fazer um agrado...

O menino, contrariado, fez tudo como pediram. Afinal, “o Natal está perto”. “Quem sabe o Papai Noel está vendo como estou comportado...”

Quando chegou à casa da avó, havia nuvens escuras de temporal no céu. Tudo era assustador. Não falou nada para não parecer mariquinhas.

A avó era bem esquisita, com aqueles cabelos brancos e compridos, aquele vestido preto, aquele nariz grande e torto com verruga peluda do lado. Sentou-se no sofá, com o gato Salém no colo e com o cachorro labrador Blaire deitado aos seus pés. Ela foi tão querida com o guri que ele admitiu: até que era uma avó normal. Também foi normal o resto da noite. Mas na hora de dormir...

- João Pedrinho, arrumei um quarto lindo, que vai sempre ser só teu lá no sótão. Não é divertido?

- Só... só... tão? Es...es...tá...tá bem! Glup!

O guri pegou sua mochila e, quando colocou o pé no primeiro degrau da escada que levava até ao sótão, ela gemeu um barulho sinistro. Todos os degraus rangeram. A porta do quarto também rangeu.

- Não é, como vocês dizem hoje em dia, “sinistro” teu quartinho, filhinho? - perguntou a avó, achando que fez grande coisa.

- É beeeem sinistro! – falou, com sinceridade, o menino.

A avó resolveu:

- Já que tu não estás com muito sono, vou cantar umas velhas canções de ninar pra ti.

“Ai, meu Deus, era só o que me faltava! Agora acha que sou bebê.” – pensou o guri.

- Nana, neném, que a Cuca vem pegar – cantava a voz tenebrosa.

“Ai, meu Deus, e se a Cuca vem mesmo?” – pensou João Pedrinho.

- Papai foi na roça, mamãe foi visitar – continuava a voz desafinada.

“Tô mesmo sozinho nessa!” – apavorou-se o guri.

- Que bicho é aquele que está em cima do detalhado, que não deixa meu netinho dormir sossegado? – Concluiu a terrível canção.

O menino ouviu uns estalos esquisitos vindo do detalhado. Fechou os olhos de tanto medo.

A avó, pensando que o neto dormira, saiu bem devagarinho. Deixou o abajur acesso para o caso de ele ficar com medo.

João Pedro ouviu passos. Abriu os olhos. A avó desaparecera. As sombras de um dragão com garras imensas projetavam-se na parede. Fechou os olhos para não ver aquilo. De repente, sentiu um clarão nos olhos. Em seguida, ouviu um estrondo de um trovão e o som de pingos grossos de chuva. O barulho no telhado aumentara, como se grandes garras roçassem, quem sabe tirando as telhas.

Ouviu uma respiração ofegante debaixo de sua cama. Seria o Bicho-Papão? Mas e quem estava no telhado? O velho do saco? Nem adiantaria gritar pela avó, que ela era surda... Ou seria uma bruxa amiga da Cuca, da mula-sem-cabeça e do monstro do armário?

Se pusesse o pé no chão para correr, o Bicho-Papão o pegaria pelo tornozelo... “Por que a mamãe me trouxe aqui? Valha-me, Nossa Senhora dos Medrosos!” - pensou ele

De repente, ouviu a velha escada ranger. “Vixe, agora é a Cuca. Sei que é ela. Ai, ai, ai...” – pensou o menino, paralisado de medo. Nem abria os olhos. Nem se mexia. Só ouvia. E os passos vieram, vieram.. E pararam. Segundos de medo. De repente, sentiu que algo saiu de debaixo de sua cama. Uma mão peluda estava sob seu rosto. Ele pulou e gritou:

- Não me devorem, seus monstros, que eu ainda sou pequenininho...

Abriu os olhos e viu sua avó com o ursinho na mão e o labrador ao seu lado.

- Eu só trouxe o teu urso e queria tirar o Blaire daí de baixo. – disse a avó, com pena do guri.

João Pedro terminou a noite dormindo com a vovó. Abraçado no Blaire, por via das dúvidas.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Imitando Lobato

Na última aula da oficina, o professor pediu que escrevêssemos um texto imitando nosso autor predileto, tanto na forma quanto na temática. Era tudo que eu sempre quis: imitar o Lobato e ainda com autorização!
Deu nisso:

GENTE GRANDE SÓ ATRAPALHA?

Gente grande

Narizinho estranhou a atitude de Emília. A bonequinha irriquieta e perguntadeira sentou-se amuada em um cantinho da biblioteca. Fez um bico e amarrou o burro. Penalizada, a bondosa menina perguntou:
- O que foi, Emília? Nunca te vi assim, tão quieta...
- O que foi, o que foi... – falou com um tom irritado – Nunca fui tão humilhada nessa minha longa existência bonecal! Quem a Dona Benta pensa que é para me mandar fechar a torneirinha de asneiras? Logo eu, Marquesa de Rabicó! Ex- Condessa de Três Estrelinhas!
Narizinho riu-se da irritação da outra:
- Ora, Emília, e com razão! Nem a Vovó, nem ninguém aguentava mais aquela sua teoria sobre as coisas que não combinam com seus nomes!
Emília levantou-se e, antes de bater a porta, gritou:
- Parece que você está virando gente grande! Gente grande só atrapalha!

No Reino das Águas Claras

Emília mostrou-se furiosíssima. Sua nobre cabecinha de pano concluiu que todos estavam contra ela, até mesmo Narizinho, sempre tão boa, tão carinhosa. Isso não podia ser normal. Um mal terrível rondava o pessoal do Sítio. Era isso: estavam todos gravemente doentes. Não tinha outra explicação tamanha casmurrice. Precisava de ajuda. Pegou sua canastrinha e tocou para o Reino das Águas Claras.
Lá chegando, procurou o Dr. Caramujo:
- Senhor Doutor Cara de Coruja, o assunto é grave, gravíssimo. Pedrinho, Narizinho, Dona Benta, Tia Nastácia e até o embolorado do Visconde estão gravemente doentes!
O Dr. engasgou-se todo:
- Ora, pí-pí-lulas, o que houve com eles? É con-con-tagioso?
Emília irritou-se com o nervosismo do Dr.
- É, é sim. Só não pego porque sou feita de macela. Trata-se de adulticíssimus agudicimus!
Dr. Caramujo ergueu as antenas:
- Nunca se viu esse vírus nos arredores do Sítio do Picapau Amarelo! É mesmo grave, gravíssimo!
Batendo o pé e já dando as costas, Emília ordenou:
- Pois é! Então passa pra cá as pílulas que estou com muita pressa!
- Dona Emília, receio não poder ajudar... – disse, reticente.
- O quê? Que porcaria de doutor é você? Seu... Seu Cara de Coruja seca!
Doutor Caramujo tentou explicar que as pílulas contra esse vírus estavam esgotadas, que foram todas usadas, sem sucesso, na cidade grande. A extração da matéria-prima, pó de chifre de unicórnio dourado, estava proibida. Mas havia uma saída...
- Só se você fosse ... Ah, deixa pra lá!
Emília agarrou o braço do Dr e exigiu:
- Desembucha! Se eu fosse onde? Está pensando que eu não consigo?
- ... falar com Peter Pan...

Pirlimpimpim

O Dr. nem teve tempo de ver Emília retirar da canastrinha o pó de pirlimpim. Só ouviu a Boneca ordenar: “Terra do Nunca” e já estavam lá, na frente de Peter Pan. Emília piscou seus grandes olhos de retrós. Fez a cara mais simpática que se poderia ver em uma cara de pano:
- Nobilíssimo Meniníssimo Peter Pan! Eu e esse Cara de Coruja seca aí viemos em uma missão especial! Só você pode nos ajudar!
Peter Pan reconheceu a boneca:
- Ora, se não é a Dona Emília, do Sítio do Picapau Amarelo! Como vai o Pedrinho, meu amigão?
Emília ensaiou um ar grave e reticente:
- Seu amigo corre um grave risco, Meniníssimo! Aliás, todo o pessoal do Sítio...
- Trata-se de um violento surto de Adulticissimus Agudissimus! – Atalhou o Doutor Caramujo.
Peter Pan empalideceu. Não, ele não poderia nem chegar perto do Sítio. Essa doença era altamente contagiosa. Emília foi logo dizendo que ela não estava infectada, já que era recheada de uma erva medicinal. Precisavam da ajuda de Peter. Só ele sabia onde ficava a fonte da eterna juventude. Imediatamente, o menino tirou do gorro uma garrafinha minúscula cheinha da água da tal fonte. Mas estava dando só porque era para salvar um amigo, ai de Emília se espalhasse onde conseguira a garrafinha. Dr. Caramujo avisou a Emília que ela deveria administrar apenas uma gotinha para cada doente, pois, do contrário, poderiam até virar bebês.
Na volta para casa, Dr. Caramujo pediu umas gotinhas para Emília, para o caso de haver mais pacientes acometidos. A bonequinha fez ouvidos moucos. Não gastara seu pó de pirlimpimpim para dividir a água que ela conseguira com suas próprias idéias maravilhosas.

Suco do Maracujá Amarelo

Já era noite quando Emília chegou ao Sítio. Todos estavam ouvindo Tia Nastácia contar uma história na sala. A cozinha estava vazia: era sua oportunidade. Encheu cinco copos com suco de maracujá e colocou duas gotinhas de água da fonte da juventude em cada um deles – o Cara de Coruja não entende disso. Foi até a sala cantando:
- Suco do maracujá amarelo...
Todos estranharam tamanha gentileza. O quê? Emília servindo outras pessoas? Emília pedindo desculpas pela rabujice? Emília voltando atrás? Como a noite estava muito quente, um suco de maracujá não faria mal ... e tomaram. Emília não se continha de tanta alegria. Batia palminhas.Ficou esperando o resultado. Perguntadeira que ela, teve que morder os lábios para não inquirir seus pacientes. O que estariam sentindo? Será que sairiam no meio da noite a caçar a mula-sem-cabeça? No que se decepcionou. Um a um, pediram licença e retiraram-se aos seus quartos, que aquele suco de maracujá deu um soninho...

Banho de Ribeirão

Na manhã seguinte, Emília não sentiu o cheiro de café quando acordou. Narizinho não dormia ao seu lado. Na sala, não achou Dona Benta sentada como de costume. Tia Nastácia também não estava na cozinha. No quintal, os pintos ciscavam livres. A vaca Mocha mugia, com os úberes cheios de leite: ninguém a havia ordenhado. A boneca nada entendia. Onde estavam todos? Os besouros espiões chegaram apressados:
- Por que já está todo mundo tomando banho no ribeirão a essa hora?
- No ribeirão? Pois sim!
Emília, num zás, chegou ao Ribeirão. Ficou boquiaberta com o que viu. Dona Benta e Tia Nastácia nadavam como Iaras. Na margem, Pedrinho, Narizinho e Visconde fartavam-se em um piquenique de guloseimas. Aqueles ingratos nem esperaram por ela! Mas iriam ver: ninguém despreza impunemente a Marquesa.
As crianças correram para a água. Emília aproveitou a oportunidade para aproximar-se da cesta de doces. As senhoras-Iara avistaram-na e correram ao seu encontro. Tia Nastácia pegou a marquesa pelos braços; Dona Benta, pelos pés. Balançaram-na, fizeram um-dois-três e atiraram a pobre boneca de pano na água. Todos riram muito – exceto Emília, claro.

O arrependimento de Emília

Toda encharcada, teve que se pendurar no varal. E sozinha, que ninguém fez nada para a ajudar. Quem as velhotas pensavam que eram? Elas só estavam assim, lépidas e faceiras, porque ela, elazinha própria, tivera a ideia de buscar a água da fonte da eterna juventude. Via, agora, que gastara seu pó de pirlimpimpim à toa. Ela queria mais animação no Sítio, mas não precisava tanto.
A boneca, do varal, viu o pessoal voltando do Ribeirão. De almoço, viu Tia Nastácia servindo sobremesas e mais sobremesas. Nada de arroz, feijão ou legumes. Também ninguém escovou os dentes. Foram todos sestear sem sequer trocar a roupa molhada. Emília saiu do varal para adverti-los: ficariam doentes daquele jeito - teriam dor de barriga, cárie, resfriado... Como resposta, recebeu uma sonora vaia. Ela que deixasse de ser chata. Estava parecendo adulta!
Assim se seguiram três dias: banho de ribeirão, doces, doces, banho de ribeirão. Ninguém tomava banho de verdade, tampouco cozinhava ou limpava. A casa era uma bagunça total. Brinquedos estavam em toda parte. A pia transbordava de louças para lavar.
Com pena da vaca Mocha, Emília ordenhou-a e alimentou-a. Deu de comer também aos porcos e às galinhas. Pensou em fazer uma comida de verdade para seus amigos, mas ela lá sabia cozinhar? Suas mãos de marquesa não foram feitas para o trabalho duro. Precisava dar um basta nisso.

Desfazer o plano

Emília fez o mais difícil: admitiu o fracasso de seu plano. Precisava de ajuda. Chamou o Saci. Contou-lhe o caso. E agora?
- Olha, boneca, só a Cuca deve ter uma poção para desfazer isso. Mas por que ela ajudaria?
- Eu tenho algo que ela gostaria muito de ter. – Disse sem pestanejar. – Ela me dá a poção e eu dou a ela um vidrinho com oito gotas de água da Fonte da Eterna Juventude.
- E se ela quiser mais?
- Dez gotas e encerra-se o assunto. É pegar ou largar.
O Saci voltou, meia hora depois, com um vidrinho com um líquido amarelo. Era o envelhecedor que a Madrasta da Branca de Neve usara para enganá-la na casa dos sete anões. Mas Emília deveria colocar apenas duas gotinhas no suco de cada um deles, caso contrário poderiam ficar velhos para sempre ou até morrer.
A bonequinha arrumou cinco copos com suco artificial e colocou uma gotinha do envelhecedor em cada um deles – a Cuca poderia estar enganando. Todo cuidado com aquela matreira era pouco. O Saci ficou esperando a recompensa da Cuca. Emília respondeu:
- Pode deixar que depois, se fizer efeito, eu me acerto com a jacaroa.
Já era noite alta quando os cinco voltaram para o Sítio. Serviu os sucos. Ninguém agradeceu. Dormiram pesados e fedorentos.
Na manhã seguinte, Emília acordou com o cheiro de café fresquinho e de pão quentinho. A paz voltara ao Sítio.