sexta-feira, 12 de novembro de 2010
domingo, 7 de novembro de 2010
De vozes e silêncios
Decorrido o pleito presidencial no país, expressão máxima da democracia, deparamo-nos, estarrecidos, com a tentativa de amordaçamento de um dos maiores escritores que o Brasil já teve. Conhecido pelas diversas polêmicas em que se envolveu no decorrer de sua vida, Monteiro Lobato, decorridos 63 anos de sua morte, conseguiu novamente: está no olho do furacão de mais uma – injusta e desnecessária – polêmica. Desta feita, a acusação não é, de todo nova: outros pseudoleitores incautos já fizeram a infeliz delação: as obras de Monteiro Lobato conteriam conteúdos racistas. Na nova versão do equívoco, o foco da vez é a obra Caçadas de Pedrinho.
Vamos, pois, situar os leitores de orelhas de livros. Monteiro Lobato, nasceu a 18 de abril de 1882, no seio de uma família de cafeicultores do Vale do Paraíba. Portanto, nasceu antes da abolição e viveu em um ambiente que guardava os resquícios escravocratas – como o próprio autor bem denunciou, por exemplo, em seu célebre conto “Negrinha”, no qual representa os sofrimentos de uma etnia desvalida, que não era salvaguardada sequer pela Igreja. Pois bem: se, na literatura voltada para o público adulto Lobato já se posicionava contra esse estado de coisas, não o fez diferente na sua obra infantil, em que projetou o seu ideal de nação. Se, no Sítio da democrata Dona Benta todos tinham voz – até espigas de milho, bonecas de trapos, porcos e burros falavam, essas vozes também não silenciavam o que estava acontecendo no país.
Os insultos que a desbocada boneca Emília proferia a Tia Nastácia, sua criadora, eram devidamente admoestados por Dona Benta. Essas palavras, na verdade, expressavam o que, na época, ouvia-se escancaradamente nas ruas do país. Hoje, no entanto, como se fez justiça e racismo é considerado crime, essas vozes, infelizmente, ainda são ouvidas no subterrâneo das piadas de péssimo gosto. Mas, “brincando”, expressam o pensamento de grupos numerosos no país. E aí que reside o problema: ao não se admitir a existência dos preconceitos, não se abre espaço para a efetiva conscientização, o que pode fomentar ainda mais esse tipo de intolerância. E intolerância grassa nas sociedades pós-tudo em que vivemos – vejamos a recente descoberta de materiais neonazistas noticiada na semana passada.
Há quem também acuse Lobato de racista por colocar uma branca, Dona Benta, na sala e uma negra, Tia Nastácia, na cozinha. Entretanto, se na época de produção dos textos de Lobato ele fizesse o contrário, estaria sendo hipócrita, porque isso não correspondia à realidade. Compartilharia da mesma hipocrisia daqueles que agora querem silenciá-lo, mais uma vez.
Lobato, enfim, é um escritor bastante conhecido, tendo em vista a visibilidade que as sucessivas adaptações televisivas de suas obras sofreram, mas pouquíssimo lido. Quem sabe se as pessoas, antes de criticar sem fazer a devida leitura, espelhassem-se, pelo menos um pouco, na trajetória desse “brasileiro sob medida”, parafraseando o título de uma obra de Marisa Lajolo, esse país seria menos hipócrita, mais justo e mais – verdadeiramente – democrático.
Vamos, pois, situar os leitores de orelhas de livros. Monteiro Lobato, nasceu a 18 de abril de 1882, no seio de uma família de cafeicultores do Vale do Paraíba. Portanto, nasceu antes da abolição e viveu em um ambiente que guardava os resquícios escravocratas – como o próprio autor bem denunciou, por exemplo, em seu célebre conto “Negrinha”, no qual representa os sofrimentos de uma etnia desvalida, que não era salvaguardada sequer pela Igreja. Pois bem: se, na literatura voltada para o público adulto Lobato já se posicionava contra esse estado de coisas, não o fez diferente na sua obra infantil, em que projetou o seu ideal de nação. Se, no Sítio da democrata Dona Benta todos tinham voz – até espigas de milho, bonecas de trapos, porcos e burros falavam, essas vozes também não silenciavam o que estava acontecendo no país.
Os insultos que a desbocada boneca Emília proferia a Tia Nastácia, sua criadora, eram devidamente admoestados por Dona Benta. Essas palavras, na verdade, expressavam o que, na época, ouvia-se escancaradamente nas ruas do país. Hoje, no entanto, como se fez justiça e racismo é considerado crime, essas vozes, infelizmente, ainda são ouvidas no subterrâneo das piadas de péssimo gosto. Mas, “brincando”, expressam o pensamento de grupos numerosos no país. E aí que reside o problema: ao não se admitir a existência dos preconceitos, não se abre espaço para a efetiva conscientização, o que pode fomentar ainda mais esse tipo de intolerância. E intolerância grassa nas sociedades pós-tudo em que vivemos – vejamos a recente descoberta de materiais neonazistas noticiada na semana passada.
Há quem também acuse Lobato de racista por colocar uma branca, Dona Benta, na sala e uma negra, Tia Nastácia, na cozinha. Entretanto, se na época de produção dos textos de Lobato ele fizesse o contrário, estaria sendo hipócrita, porque isso não correspondia à realidade. Compartilharia da mesma hipocrisia daqueles que agora querem silenciá-lo, mais uma vez.
Lobato, enfim, é um escritor bastante conhecido, tendo em vista a visibilidade que as sucessivas adaptações televisivas de suas obras sofreram, mas pouquíssimo lido. Quem sabe se as pessoas, antes de criticar sem fazer a devida leitura, espelhassem-se, pelo menos um pouco, na trajetória desse “brasileiro sob medida”, parafraseando o título de uma obra de Marisa Lajolo, esse país seria menos hipócrita, mais justo e mais – verdadeiramente – democrático.
Contra a proibição de "Caçadas de Pedrinho"
ABL é contra a proibição do livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, nas escolas
A Academia Brasileira de Letras se posicionou contrária à tentativa de censura ao livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, pedida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que alegou ter conteúdo racista na obra do escritor.
Em reunião plenária realizada na tarde de ontem, 4 de novembro, na ABL, a Casa manifestou repúdio “contra qualquer forma de veto ou censura à criação artística”, e apoiou o Ministro da Educação, Fernando Haddad, que foi contrário à determinação do CNE, que proibiu a circulação do livro no país.
De acordo com a decisão dos Acadêmicos, “cabe aos professores orientar os alunos no desenvolvimento de uma leitura crítica. Um bom leitor sabe que tia Anastácia encarna a divindade criadora dentro do Sítio do Picapau Amarelo. Se há quem se refira a ela como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afro-descendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica”.
A ABL sugere ainda que seria muito melhor se os responsáveis pela educação estimulassem uma leitura mais aprofundada por parte dos alunos, ao invés de proibir as crianças de saberem disso.
Os Acadêmicos afirmaram que é necessário aos professores e formuladores de política educacional ler a obra infantil de Lobato e se familiarizar com ela. “Então saberiam que esses livros são motivo de orgulho para uma cultura. E que muito poucos personagens de livros infantis pelo mundo afora são dotados da irreverência de Emília ou de sua independência de pensamento. Raros autores estimulam tanto os leitores a pensar por conta própria quanto Lobato, inclusive para discordar dele. Dispensá-lo sumariamente é um desperdício. A obra de Monteiro Lobato, em sua integridade, faz parte do patrimônio cultural brasileiro e apelamos ao senhor Ministro da Educação no sentido de que se respeite o direito de todo cidadão a esse legado, e que vete a entrada em vigor dessa recomendação”, concluíram os Acadêmicos.
5/11/2010
Link: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=10947&sid=672
A Academia Brasileira de Letras se posicionou contrária à tentativa de censura ao livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, pedida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que alegou ter conteúdo racista na obra do escritor.
Em reunião plenária realizada na tarde de ontem, 4 de novembro, na ABL, a Casa manifestou repúdio “contra qualquer forma de veto ou censura à criação artística”, e apoiou o Ministro da Educação, Fernando Haddad, que foi contrário à determinação do CNE, que proibiu a circulação do livro no país.
De acordo com a decisão dos Acadêmicos, “cabe aos professores orientar os alunos no desenvolvimento de uma leitura crítica. Um bom leitor sabe que tia Anastácia encarna a divindade criadora dentro do Sítio do Picapau Amarelo. Se há quem se refira a ela como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afro-descendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica”.
A ABL sugere ainda que seria muito melhor se os responsáveis pela educação estimulassem uma leitura mais aprofundada por parte dos alunos, ao invés de proibir as crianças de saberem disso.
Os Acadêmicos afirmaram que é necessário aos professores e formuladores de política educacional ler a obra infantil de Lobato e se familiarizar com ela. “Então saberiam que esses livros são motivo de orgulho para uma cultura. E que muito poucos personagens de livros infantis pelo mundo afora são dotados da irreverência de Emília ou de sua independência de pensamento. Raros autores estimulam tanto os leitores a pensar por conta própria quanto Lobato, inclusive para discordar dele. Dispensá-lo sumariamente é um desperdício. A obra de Monteiro Lobato, em sua integridade, faz parte do patrimônio cultural brasileiro e apelamos ao senhor Ministro da Educação no sentido de que se respeite o direito de todo cidadão a esse legado, e que vete a entrada em vigor dessa recomendação”, concluíram os Acadêmicos.
5/11/2010
Link: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=10947&sid=672
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