sexta-feira, 9 de maio de 2014

Ilustração do texto "Turma 53" para o próximo fascículo do Projeto Ler

Ilustração do Sinovaldo para o meu texto "Turma 53", que estará no próximo fascículo do Ler. Mais uma vez, ele conseguiu ver no meu texto coisas das quais eu nem suspeitava. :)




Turma 53
Nós tínhamos 11 anos, todos os sonhos do mundo e três gols atravessados na garganta. Todos eles de um certo Paolo Rossi, o carrasco italiano que baleou a mais genial seleção brasileira de todos os tempos.
Apesar dos tiros no peito, o outro dia era de aula. E de lamentar-se na troca dos períodos:
— Como que isso foi acontecer? — perguntava-se a Fabiane.
— A culpa foi daquela zaga podre, daquele Valdir Peres que só fez besteira! — berrou o João lá do fundo da sala.
            — Claro que a culpa é do técnico, meu vô que disse — argumentou a Graceline.
            E a Dona Vera, professora de Português, que adentrava a sala, entrou na discussão, pensando encerrá-la:
            — A culpa é que a seleção é de homens. No Brasil, eles não fazem nada que preste. Só falta a nós, mulheres, termos que vestir a camiseta amarela também. E tenho dito. Agora, silêncio, turma 53, que futebol não dá futuro para ninguém.
            Quando Dona Vera se virou para apagar o quadro, as meninas fizeram bananas e outros gestos menos cordiais para os meninos. A troca fuzilante de olhares disse que o caso não acabava ali.
            E não ficou por isso mesmo. No recreio, o Paulo, o Pedro e o João foram até o grupinho das gurias, coisa que era terminantemente proibida. O João encarou a Tati, a líder das meninas, jogando sua franja argentina para o lado:
            — Se as mulheres da 53 são tão, tão assim, nós desafiamos vocês para uma partidinha de futebol.
            — E damos até um mês de lambuja para vocês treinarem — disse, irônico, o Pedro.
            A Tati não baixou o queixo:
            — Pois está marcado. Daqui a um mês. Preparem-se para morrer.
            Quando o trio masculino virou as costas, as gurias soltaram a polvorosa: como que a Tati não desconversou? Que fiasco seria aquele, Santo Deus! Todo mundo sabia que os guris da 53 eram os melhores jogadores da escola. A Tati, numa calma fingida, já tinha um plano, que a seguissem.
            Foram todas para à porta da sala dos professores. Pediu para falar com a Dona Vera e com a Dona Zuleika, a professora de Educação Física. Explicou toda a situação. Dona Vera, então, comprou a briga e convenceu Dona Zuleika a treinar, secretamente, depois das aulas as meninas.
            Foi um mês de treinos intensos. Claro que os guris ficaram sabendo. Acharam tão engraçado que até resolveram suspender as peladas até o grande dia, que, enfim, chegou.
            O duelo seria na aula de Educação Física. Trinta minutos, quinze para cada lado. As turmas 52 e 54 foram liberadas para assistir ao duelo. O avô da Roberta, a experiente goleira – de handebol, diga-se -,  e o pai da Lu, a zagueira, juntaram-se à Dona Zuleika. Eram a comissão técnica. “Mais vale não levar do que fazer”, lembraram os integrantes da comissão às jogadoras.
            E foi o que elas fizeram.
Ninguém passava pela Lu, que tomava cuidado para que ninguém cavasse um pênalti. A Tati e a Fabi mostravam toda a agilidade nas roubadas e nas retomadas. A genialidade do Paulo, no entanto, custava a aparecer, soterrada sob grossas camadas de salgadinhos, refri e bolachas que consumiu no tempo-de-não-treino. A câimbra nas pernas do João doía menos que sua consciência pesada por ter subestimado as gurias e por todas as porcarias que comeu naquele fatídico mês.
Acabados os 15 minutos, nada de gol. A 52 e a 54 vaiaram a pelada braba.
Nos 14 minutos do segundo tempo, em uma distração fatal do João, a Fabi roubou a bola no contra-ataque, tabelou com o zagueiro e.... gooooooooool!

Abraços, risadas, cumprimentos gerais. Os guris cumprimentaram, orgulhosos, as suas colegas. Foi hora das gurias da 53 mostrarem seu valor.